28 dias. Foi o tempo de duração do XX Governo, que tomou posse a 30 de outubro de 2015 e que esteve em funções até 26 de novembro de 2015 – altura em que deu entrada a geringonça. Arrecadou o prémio de Governo mais curto da história da democracia portuguesa, mas não significa que tenha sido vivido de ânimo leve pelos que o integravam.
O dia fatídico não chegou com grande surpresa. A queda do Governo deu-se a 10 de novembro quando a moção de rejeição ao programa do Governo da coligação PSD/CDS, apresentada pelo PS, foi aprovada pela maioria de esquerda no Parlamento. Carlos Costa Neves estava lá no momento da votação. Caracterizou-o como um «fim anunciado», mas nem por isso deixou de ser dominado por um sentimento de «irrealidade». «O que retenho do momento da queda é a frustração», afirmou o ex-ministro dos Assuntos Parlamentares ao SOL. Olhando para trás, porém, nem tudo foi negativo: o ex-governante recorda «o gosto» que lhe deu acompanhar o então primeiro-ministro do plenário – onde o Governo tinha acabado de cair – ao Palácio de São Bento. Um caminho de cerca de cinco minutos a pé pautado por uma conversa que diz já não recordar ao pormenor. «Lembro-me de ter feito tudo para tratar com normalidade uma situação anormal. Não cair em lamechices e lamentação e demonstrar solidariedade. Procurei ter uma postura de que a vida continua».
Verdade seja dita, a imprevisibilidade da duração deste governo era inegável. Quase todos os recém-nomeados ministros e secretários de Estado aceitaram o desafio com a consciência de que a ausência de uma maioria parlamentar podia ser fatal. E os partidos da oposição faziam questão de acentuar essa ideia, como recorda Costa Neves. «Lembro-me de uma conferência de líderes em que alguém da oposição terá dito: ‘os senhores para a semana também já não estão cá’ e de eu ter respondido: ‘quando acabar, acabou, mas enquanto não acabar, sou eu que aqui estou’».
Um mês intenso
Ainda assim, o antigo ministro fala num mês intenso em que desempenhou um cargo que à partida estranhou. «Devo confessar que, quando fui desafiado, o que refleti comigo próprio foi: ‘se entendem que sim, está bem, mas porquê os Assuntos Parlamentares?’. Mas durante aquele mês senti-me muito realizado. Acabei por achar que era o sítio onde me sentia mais útil e mais vivo».
Intensidade também é a palavra utilizada por Teresa Morais. A secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade do XIX Governo assumiu o tão pedido Ministério da Cultura, abarcando ainda as pastas da Igualdade e Cidadania. «Cada dia exigia de nós um trabalho de grande intensidade, aproveitando todos os minutos para resolver coisas que estavam em cima da mesa e que não podiam ser adiadas». Um desses projetos foi a apresentação da candidatura portuguesa à Bienal de Veneza sobre a obra do arquiteto Siza Vieira. Dossiê que a ex-ministra tinha obrigatoriamente de fechar sob pena de não cumprir o prazo estabelecido.
Dias também marcados por alguns momentos menos bons, como a morte de nomes incontornáveis na cultura como José Fonseca e Costa e Paulo Cunha e Silva. A ex-governante não esquece também o Conselho de Ministros da Cultura, que ocorreu naquela altura, quando Bruxelas ainda estava mergulhada no caos devido aos atentados terroristas. Recorda que fez questão de participar no encontro pelo seu «caráter simbólico»: «Apesar de Bruxelas estar em estado de sítio, a agenda da União Europeia tinha sido mantida portanto era nossa obrigação dar um sinal à comunidade local e internacional de que quem ali estava não tinha medo e não deixava de cumprir as suas obrigações».
Em conversa com o SOL, relembra ainda a inauguração da coleção do pintor espanhol Masaveu, no Museu de Arte Antiga. «A inauguração aconteceu no dia 20 de novembro e fiz questão de estar presente, mas não quis intervir. Nessa altura, já tinha noção de que não iria estar no Ministério por muitos mais dias portanto não quis assumir qualquer tipo de protagonismo».
Teresa Morais garante, contudo, ter aceitado o desafio de integrar o XX Governo não na condição de poder tratar-se de «período de passagem». «Aceitei porque quis fazer parte de uma equipa que, num momento absolutamente histórico para o país e de enorme responsabilidade, estava a ser chamada a governar outra vez». Lamenta não ter havido a possibilidade de implementar um programa de governo «avançado, sério e que nos teria levado muito além do ponto em que estamos neste momento». E não poupa críticas ao seu sucessor, João Soares, pela «demissão arbitrária» do presidente do Conselho de Administração do CCB e pela forma como geriu a pasta da cultura.
Tempos sem novidades
Também Rui Machete lança farpas ao atual Governo, classificando a solução governativa de «projeto aberrante» e sem «um plano sério a médio prazo».
Estes 28 dias de governação não foram novidade para o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, que aceitou pela segunda vez o convite de Passos Coelho para integrar um governo da coligação – algo que encarou como «a confirmação de que o primeiro-ministro apreciou o trabalho realizado». «Não mudei nada: nem o gabinete nem a política que tinha», garante o ex-governante ao SOL. Os dias, esses, decorriam com normalidade: realizaram-se reuniões, seguiram-se determinados assuntos, mas com a «sensação» de que o Governo duraria «muito pouco tempo».
Uma nuvem que pairava também pelos Ministérios da Administração Interna e da Economia. «Foram dias de expectativa, e não era sequer grande porque se sabia qual era a maioria formada no Parlamento e qual seria o destino do programa de Governo», contou João Almeida ao SOL.
O centrista estava de regresso ao seu cargo de secretário de Estado da Administração Interna, tal como Adolfo Mesquita Nunes, que voltava a exercer as suas funções enquanto secretário de Estado do Turismo. Ambos sublinham que trataram apenas de assuntos prementes especialmente porque o Governo ainda estava em gestão. «Passado três semanas saberíamos se durávamos ou não portanto qualquer decisão política podia esperar este tempo», realçou o atual vice-presidente do CDS.
Estreias com sentido de responsabilidade
O facto de se tratar de um Governo de gestão parece não ter poupado trabalho a Margarida Mano, que fazia a sua estreia governativa enquanto ministra da Educação. «Não é por um Governo estar em gestão que os ministros não estão responsáveis por tomar decisões», afirmou ex-governante e atual deputada do PSD ao SOL.
No verão de 2015, a ex-vice-reitora da Universidade de Coimbra mudou-se de armas e bagagens para a capital depois do convite de Passos Coelho para integrar a lista de Coimbra na Assembleia da República. Uma decisão, recorda, tomada após um longo momento de reflexão e que resultou numa mudança de vida. Quando surgiu o segundo convite do líder social-democrata, o compasso de espera foi menor. «Foi uma decisão assumida sem receios e independentemente do período que fosse. O importante é o país sentir que tem um governo que acautela o interesse nacional».
Acabou por revelar-se um período curto, mas Margarida Mano não mostra estar arrependida, descrevendo a experiência como «muito forte» e da qual se sente «muito orgulhosa». «Não podemos virar a cara quando achamos que temos condições para aceitar as responsabilidades portanto foi com muito gosto que estive [no Governo]. É um lugar de responsabilidade ao serviço da sociedade portuguesa e do futuro».
O sentido de responsabilidade foi também o que moveu Rui Medeiros, especialmente tendo em contexto político «absolutamente excecional» que se vivia. «Havia o dever de sair da comodidade em que se vivia e dizer que se está disponível para colaborar num projeto alternativo àquele que veio a vingar».
O advogado e professor universitário confessa, contudo, a hesitação em aceitar o cargo de ministro da Modernização Administrativa. Dúvidas que se prendiam com o facto de sempre ter querida manter-se afastado do universo político, mas o sentido de dever acabou por falar mais alto: «Era um sim devido».
Um sentido de missão também partilhado por Mónica Ferro: «Quem acreditava no projeto de Governo da coligação era o momento de dizer que sim. O facto de haver instabilidade inerente e de o exercício poder ser mais curto do que aquele que gostaríamos, também deu um sentimento de responsabilidade», afirmou a ex-secretária de Estado Adjunta e da Defesa Nacional.
Mas isso não significa que tenha aceitado o cargo do dia para a noite, pois já tinha regressado à sua atividade profissional de professora universitária – deixou o seu trabalho na Assembleia da República por não ter feito parte das listas eleitas pelo PSD. «Tinha acabado de iniciar um novo ano letivo portanto não podia tomar esta decisão de ânimo leve. Com o apoio da universidade, que compreende que a participação nestes cargos políticos são também exercícios de cidadania, deixei de dar aulas e regressei à minha atividade letiva num período que foi mais curto que o antecipado», recorda.
28 dias, no entanto, foram o suficiente para a docente ter ficado entusiasmada com o que a esperava e não esconde a frustração que sentiu ao ter de deixar para trás questões que lhe eram queridas, como os problemas das mulheres nas Forças Armadas. «Estar na política é assim. Recordei-me várias vezes das palavras que um deputado me disse quando cheguei à AR: ‘Isto é transitório. Não se é deputado, está-se deputado’. No Governo é a mesma coisa, não se é membro do Governo, está-se membro do Governo».
Quem por sua vez não se mostrou hesitante quanto ao convite do líder social-democrata foi Fernando Negrão. «Quando os projetos me interessam digo logo que sim e foi o caso», afirmou o ex-ministro da Justiça. Experiência que avalia como «curta, mas muito interessante» por ter feito «um início de envolvência de todas as estruturas do Ministério da Justiça, na definição de uma política para a Justiça».
E se para uns a queda do Governo traduziu-se em projetos por concretizar, há quem não esconda um certo sentimento de alívio. Fernando Leal da Costa ocupou durante quatro anos o cargo de secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde e foi ministro da Saúde durante menos de um mês. Apesar do sentimento de frustração com a aprovação da moção de rejeição, a que assistiu em primeira mão no Parlamento, não esconde a sensação de alívio que sentiu durante a tomada de posse do atual governo. «Aquilo que mais fiz durante o mês de férias que tive foi dormir. Olhando para trás, é a prova provada que era disso que estava a precisar: de descanso», relembra o ex-governante, descrevendo a experiência no XIX Governo como «fascinante», mas ao mesmo tempo «violenta» tanto física como emocionalmente. Sentimentos opostos que voltaram à superfície numa recente visita ao Parlamento: «Quando voltei a entrar naquela casa, senti alguns sentimentos contraditórios. Por um lado, a sensação de satisfação por ter feito tanta coisa boa ali e, por outro lado, de certa forma alguma alívio por já não estar sujeito àqueles escrutínios».