CGD. Gestão nas mãos do Tribunal Constitucional

Tribunal Constitucional pode notificar diretamente gestores da CGD para estes entregarem declaração de rendimentos

O Tribunal Constitucional, se entender que há omissão, vai notificar os novos gestores da Caixa Geral de Depósitos (CGD) obrigando-os a entregar as declarações de rendimentos, ao abrigo do estatuto do gestor público. Em última análise, o estatuto estabelece que os incumpridores podem perder os mandatos.

“Além de a iniciativa poder partir do TC, e uma vez que parece haver dúvidas, o próprio Ministério Público (MP) pode requerer um esclarecimento sobre esta matéria, levando este tribunal a decidir se a administração de António Domingues tem ou não de entregar no Palácio Ratton as declarações de rendimentos”, disse ao i um constitucionalista que pediu para não ser citado.

A fonte adiantou, todavia, que um processo destes “não acontece de um dia para o outro e poderá demorar o seu tempo”.

Disse ainda que, obviamente, o TC tem “toda a legitimidade” para acionar o pedido de entrega das declarações”, tal como “o MP tem autonomia para solicitar ao TC um esclarecimento sobre a matéria, agindo depois o tribunal em conformidade: notifica os visados para fazerem a entrega das declarações ou entende que estes estão dispensados de o fazer”, concluiu.

Fonte do governo reafirmou ao i que a posição do executivo mantém-se: “O estatuto do gestor público (de 1983) obriga-os a entregar as declarações, logo isso é para aplicar”.

Ou seja, esta posição é contraditória com as palavras do ministro das Finanças, Mário Centeno, que tem defendido que o diploma, aprovado recentemente pelo governo, exclui os gestores da Caixa da obrigatoriedade de apresentarem essas declarações.

“Os gestores da CGD estão vinculados ao estatuto do gestor público. Não vejo como possam fugir das suas obrigações nesta matéria. Se houver dúvidas de legalidade – em função da interpretação do decreto-lei que os exclui dessa obrigação – competirá aos tribunais, ao TC, pronunciarem-se”, concluiu a fonte governamental ouvida pelo i.

Aliás, o primeiro-ministro, António Costa, foi categórico sobre este tema, no final da passada semana: “Essa é uma questão que a CGD saberá responder e que o Tribunal Constitucional saberá apreciar. No que diz respeito às obrigações do Conselho de Administração em relação ao acionista, o Estado, essas estão cumpridas”, disse.

Uma outra fonte próxima do governo ouvida pelo i ressalvou que o primeiro-ministro tem “tido a cautela suficiente para não incendiar a estabilidade do sistema financeiro”, em “oposição à gritaria de alguns partidos e dirigentes da oposição” sobre esta matéria.

“Há uma escolha que tem de ser feita. Há um processo de recapitalização em curso. Quem deixou o sistema financeiro de rastos, não devia andar a incendiá-lo. Está ao criar um problema ao país, apenas para criar um problema ao governo”, lembrando que a o trabalho para estabilizar o sistema financeiro, “dado o seu papel fulcral no financiamento da economia portuguesa”, foi uma das condições impostas pelo anterior presidente Cavaco Silva para empossar o goverrno, numa demonstração de que “conhecia a situação e a considerava preocupante”.

Aparentemente alheado das críticas vindas de setores do governo, o PSD cumpriu esta quarta-feira, véspera do arranque do debate na generalidade do Orçamento do Estado para 2017, a promessa de desdobrar um projeto de lei anteriormente entregue no parlamento, para “mais facilmente, conseguir consenso com as restantes bancadas” e tentar revogar o novo regime do governo Costa.

De acordo com o partido proponente, este projeto, a merecer o apoio da maioria dos deputados, deverá produzir efeitos imediatos, “incluindo relativamente aos mandatos em curso na CGD”. Os dois diplomas mais não são do que um desdobramento do projeto apresentado para fixar na lei os critérios de “razoabilidade e adequação” nos salários dos gestores públicos e garantir que a nova administração da CGD está obrigada aos deveres de transparência.

Entretanto, a líder do CDS-PP, Assunção Cristas, veio defender que a forma mais eficaz para dissipar as dúvidas sobre a obrigatoriedade de apresentação de rendimentos pelos administradores da Caixa é clarificar a lei no parlamento e não através da via constitucional.

“Se existe hoje a dúvida em virtude da legislação que foi aprovada pelo governo, se pudermos, no parlamento, por via legislativa, com mais rapidez e eficácia, resolver esse problema, assim seja. É aí que o CDS vai estar empenhado”, defendeu Assunção Cristas.

O PSD não excluiu, caso as respetivas propostas legislativas chumbem, avançar com um pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade da recente lei do governo junto do Tribunal Constitucional.