Esta crónica começa com um mea culpa: enganei-me, e com isso enganei os leitores. Num dos comentários a uma das minhas crónicas, um leitor escreveu que o governo estava a desbaratar a sua almofada de segurança financeira. E eu concordei, pois, de um objetivo de 10.000 milhões de euros no final de 2015, eu li, já não me lembro onde, que essas reservas iriam diminuir, no fim deste ano, para entre 4.500 e 6.500 milhões de euros. Passei essa informação no comentário ao comentário do leitor, e estava errado. A almofada financeira do Estado, segundo dados ontem divulgados pelo Banco de Portugal, ultrapassava no fim de setembro os 21.000 milhões de euros. Peço-vos, pois, desculpa pelo meu erro.
E surge de seguida a questão: porque é que o Estado está a acumular dinheiro desta forma (estimo que, no final de setembro, as reservas tenham atingido 12% do PIB), tanto mais que o défice orçamental parece controlado? A meu ver, a resposta vem do exterior.
Neste momento, o Banco Central Europeu (BCE) compra dívida, sobretudo de Estados, mas também de algumas grandes empresas, à razão de 80.000 milhões de euros por mês, e essas compras são essenciais para manter os juros das dívidas soberanas baixas nos mercados. Ora, acontece que este programa de compra de dívida acabará no fim de março. Eventualmente, poderá ser prorrogado. O presidente do BCE, Mario Draghi, afirmou recentemente que as taxas de juro que dependem diretamente do BCE vão manter-se reduzidas “por muito tempo”. Mas o que ele não controla, embora influencie com o seu programa de compra de dívida no mercado, são as taxas de juro soberanas.
É inteiramente possível que as autoridades portuguesas estejam preocupadas que, se o programa de compra de dívida pelo BCE terminar em março, as nossas taxas de juro, pelas quais nos financiamos nos mercados, subam bastante. Neste caso, será uma decisão prudente, pois as necessidades de financiamento do Estado para 2017 são de 18.000 milhões de euros. Os 21.000 milhões permitem ao Estado só precisar de pedir dinheiro emprestado nos mercados em 2018.
Nos Estados Unidos, as taxas de juro não vão aumentar hoje, porque o banco central norte-americano (a Fed) não toma decisões sobre juros a menos de uma semana das eleições presidenciais, pois não se quer ver envolvido em matérias políticas. Todavia, com uma taxa de desemprego nos Estados Unidos em 5% (já muito perto do pleno emprego, que normalmente se considera ser uma taxa de desemprego de 4% ou inferior), e com os preços das matérias-primas a recuperarem, é quase certo que a Fed suba os juros em dezembro, o que poderá provocar uma apreciação do dólar norte-americano, embaratecendo as nossas exportações.
Por cá, o governo vai comprando ativos financeiros para reservas (como já disse, suficientes para cobrir todo o dinheiro que terá de pedir emprestado em 2017). Claro que isso tem custos, mas permite ao governo precaver-se assim contra um possível final do programa de compra de dívida do BCE em março, e consequente subida dos nossos juros.
O ideal seria que este programa continuasse depois de março. Se acabar mesmo, então será o fim do mundo como o conhecemos, e as previsíveis consequências não me fazem sentir bem.