Apesar dessa incerteza, alguns traços de fundo do OE podem ser apontados. Sem o dizer, a proposta governamental alterou a estratégia macroeconómica que era até há pouco bandeira de A. Costa: dinamizar a economia pelo estímulo ao consumo. A receita falhou, com a economia a abrandar em vez de crescer. Agora, para o governo, o motor da economia passa para o investimento e as exportações, como a oposição de direita reclamava. Por isso, este é um assunto que o PS e os seus aliados de esquerda evitam abordar na praça pública.
Mas é duvidoso que a nova estratégia resulte. O OE 2017 não concretiza estratégia alguma – tem de tudo e do seu contrário. É uma manta de retalhos, como disse Augusto Mateus, ex-ministro da Economia de Guterres. Por exemplo, é tudo menos de esquerda a subida de impostos indiretos, que são regressivos, pois pobres e ricos pagam o mesmo. Mas há no OE 2017 medidas de redistribuição de riqueza que são de esquerda.
Como refere A. Mateus, não há políticas económicas de longo prazo neste OE. É um documento a que falta coerência, o que não admira quando se pretende conciliar o cumprimento das exigências de Bruxelas com o apoio parlamentar da extrema-esquerda.
O Governo tem uma orientação em curso e que continuará em 2017, que é cumprir as metas de Bruxelas para o défice orçamental. Essa é a prioridade de A. Costa. É incómoda para o PCP e o BE, que até há pouco berravam contra o Tratado Orçamental da zona euro. Agora, porém, nem piam quando A. Costa impõe medidas para cumprir esse tratado (que, na minha opinião, era melhor que não existisse).
Os comunistas e os bloquistas engolem estes sapos porque receiam o fim da ‘geringonça’. É que, então, haveria eleições e A. Costa poderia obter uma maioria que dispensasse o apoio destes partidos de extrema-esquerda, ou de um deles (o PCP). Entretanto, PCP e BE, com a ajuda da esquerda do PS, impedem quaisquer reformas dignas desse nome.
Ora sem reformas no Estado – Administração central e local, setor empresarial do Estado – não é possível cortar de forma racional na despesa pública. Por isso multiplicam-se os problemas de falta de meios humanos nos serviços públicos, nos hospitais, nas escolas, nas empresas públicas (de transportes coletivos, sobretudo), etc. O que é uma forma disfarçada de austeridade imposta aos cidadãos.
A ausência de reformas, que também caracterizou o governo anterior (em especial quanto à reforma do Estado), trava o crescimento económico, que é quase nulo desde o início do século. Daí as previsões, formuladas por várias entidades internacionais, de uma prolongada estagnação da economia portuguesa.
Não é por isso de estranhar que os socialistas, que na oposição criticavam a «obsessão do défice» e reclamavam mais crescimento económico, tenham deixado de falar desse crescimento e se concentrem agora na gloriosa vitória que é cumprir as regras de Bruxelas. Quem os viu e quem os vê…