Edgar Pêra. Onde é que (ainda) não vimos este filme

Antes estes todos, melhor assim, que são 42 os filmes de Edgar Pêra que Serralves exibe numa grande retrospetiva à obra do realizador que Augusto M. Seabra descreveu, Manoel de Oliveira à parte, como aquele que filmou sempre. De todas as formas e sem parar nunca. Apesar de tudo. Retrospetiva que só não é integral…

Reproduta Interdita

É no cenário apocalítico das ruínas do Chiado pós-incêndio que “Reproduta Interdita”, curta metragem de 8 minutos de 1990, proporciona o encontro entre duas personagens: uma “estranha mutante” com capacidades de teleportação e Penélope Kruxis, enfermeira que enfrenta o caso raro de uma mutação contagiosa resultante da invasão de um elemento estranho neste meio pós-catástrofe. Ponto de partida para uma antecipação de mudanças de rumo num tempo difícil de adivinhar.

Manual de Evasão LX94

A estética do cinema de atrações e do cinema mudo com os atributos das personagens-tipo da comédia à portuguesa são postos ao serviço de discursos filosóficos sobre a transtemporalidade, a partir de uma Lisboa que não é só espaço, mas matéria do tempo. Isto através de três escritores da contracultura americana, Terence McKenna, Robert Anton Wilson e Rudy Rucker, na “delirante tensão fílmica entre o expressionismo e o cómico” que é “Manual de Evasão LX94”.

As desventurasdu homem--kâmara

Epizohdyus 111, 113 & 115, continua o título deste filme de 1998 de apenas dois minutos em que, a partir do olhar que orienta toda a sua  obra, Edgar Pêra reivindica para si o icónico “Man with a Movie Camera”, de Dziga Vertov, cruzando-o com as influências de Aurélio Paz dos Reis, do cinema de animação polaco e da obra de Terry Gilliam, para nos oferecer um desenho do universo em que se move este homem-kâmara, personagem ficcional que não é mais do que um alter-ego do realizador.

Matadouro

Filme que marca a primeira incursão do realizador pelo vídeo-cinema, “Matadouro” (1991) são oito minutos de fragmentos de episódios do “programa de televisão mais popular da terceira idade das trevas”. Isto no  Matadouro Frigorifico de Lisboa, imagens alternadas com as das reações de espetadores às violentas ações, registadas em direto, numa “relação sarcástica entre a imagem televisiva e o lugar destinado à matança para consumo público”.

O Trabalho Liberta?

Documentário-ensaio-inquérito, assim é descrito este filme de 1993 em torno dos temas do trabalho, da liberdade e da alienação que se constrói a partir das respostas possíveis à pergunta que nos faz o filme. Se o trabalho liberta ou não. Com os contributos de  Paulo Varela Gomes, António Vaz Pinto, Paulo Borges, Agostinho da Silva, António Bracinha Vieira, Herman José, José Luís Judas, Ruben de Carvalho, os Irmãos Catita e ainda os mineiros Neves Corvo, os demolidores do Chiado e um grupo de trabalhadores alentejanos

Punk Is Not Daddy

Viagem pelos anos 80 através dos diários fílmicos de Edgar Pêra. Filme de juventude e de memórias feito em 2010 que se constrói a partir de imagens que documentam o processo de transformação que atravessou a música portuguesa na década que se seguiu à da revolução, com episódios como o último ensaio dos Heróis do Mar, imagens de bastidores dos GNR, rodagens de telediscos dos Rádio Macau ou a polémica da final do concurso de música moderna do Rock Rendez-Vous, com o não-concerto dos Zao Ten, de Farinha Master.

Lisbon Revisited

O título não deixa margem para dúvidas sobre aquilo a que vamos neste “Lisbon Revisited”: um percurso onírico pela cidade de Lisboa, uma Lisboa manipulada, acompanhado pelas palavras de Fernando Pessoa. Sobrepondo a abstração e tangibilidade das formas, com recurso à tecnologia 3D para “trabalhar a textura e a profundidade visual da imagem (bem como da realidade)” e “questionando, no mesmo gesto voyeurista, a dicotomia convencional que opõe a ficção à não-ficção”.

Diário em Las Vedras

Estreia mundial de um dos mais recentes filmes de Edgar Pêra, que “num registo delirante e excêntrico” do Carnaval de Torres Vedras apresenta “uma série de aventuras e desventuras em cadeia”. Uma paródia ao tom das reportagens da rádio e da TV neste que se diz ser “o Carnaval mais português de Portugal” – o que quer que isso queira dizer. Isto contado com repórteres improvisados que teimam em confundir papéis e, pela festa, vão perguntando aos mascarados se não será este desfile uma insurreição, uma viragem para um regime anárquico.

És a Nossa Fé

O futebol visto ao contrário, câmara voltada para a bancada, em “És a Nossa Fé”, filme de 2004, claro, o centro não é o jogo, são as reações dos espectadores. E este desvio do enfoque da objetiva não é só o que pode parecer dito assim, é também uma incursão pela iconografia religiosa, “num filme que tende para a abstração e para a recusa da realidade”, sobre a “relação das massas com o espetáculo messiânico, bélico e ritualístico” que também pode ser um jogo de futebol.

O Barão

A partir da novela homónima e do conto “OInvoluntário”, de Branquinho da Fonseca, “O Barão”(2011) assume-se como “um remake neurogótico de um filme fantasma” que retrata a vivência de um fidalgo draculesco, misógino e tirânico que aterroriza a população das montanhas do Barroso, no Norte de Portugal. “Entre a comédia, o musical e o terror”, numa estética a aproximar-se da banda desenhada, um dos muitos universos entre os quais se tem movido Edgar Pêra nos seus 30 anos de carreira.