Sónia Araújo: “Comecei a fazer um anúncio do Instituto de Emprego”

Queria muito fazer cinema. Desde sempre que sonhou dançar. Todos os dias faz três horas de direto na televisão há mais de 20 anos. O dia começa às 6h30 da manhã e não pára até à noite. O seu último projeto é cantar para as crianças. Já fez teatro com presas. E defende que é…

Quando era criança o que sonhava fazer?

Queria ser bailarina. sei que é um sonho recorrente das meninas, mas eu gostava mesmo muito de ver dança. Normalmente as meninas vão para o ballet porque a mãe quer. No meu caso não: não tenho ninguém da família ligada à dança, nem sequer às artes. Mas passei a infância a massacrar os meus pais para ir para uma escola de ballet e finalmente, aos nove anos, eles acederam. Para mim, o futuro passava por ser bailarina, mas desde cedo tive consciência que era complicado ganhar a vida a dançar em Portugal. Achava que tinha que ter um plano B, e como sempre fui mais da área de letras que de ciências fui para Direito. Mas sempre fui conciliando tudo isso com a dança.

Ao contrário da ideia bucólica e romântica que têm os espetadores do bailado, ele é mais duro que um desporto de combate, não é?

(risos) Embora se tenha a ideia contrária, é muito duro. Exigiu logo de mim ter muitas regras de vida: horários, postura, regras físicas. Mas como gostava tanto de dançar cumpria essas regras todas com empenho.

Foi para Direito porque não gostava de matemática?

Sim, mas também porque tinha uma outra visão do Direito e da advocacia que era dada pelas séries de advogados e policiais. Rapidamente percebi que o nosso Direito, funcionamento dos tribunais e da justiça é completamente diferente. O curso é muito exigente e eu estava a trabalhar já em televisão enquanto estudava. Apesar disso, foi, para mim, sempre ponto assente, concluir o curso: “Já que comecei vou terminar”, foi o que fiz. Apesar de achar que o meu futuro passava pela televisão.

Se continuasse como advogada iria fazer o quê?

Nem sequer penso nisso, mas provavelmente Direito da Família.

Pegando nas leis que conhece, tivesse uma varinha de condão quais as que alterava?

Que pergunta tão complicada. Acho que começava por alterar o Direito da Família e simplificava as condições de adoção. Compreendo que, por um lado, há que respeitar que as famílias têm de ser muito bem estudadas, mas às vezes o processo é tão longo que as famílias acabam por desistir, tão exaustas que ficam pelo processo interminável. Acho que mantendo a seriedade e complexidade dos procedimentos, para algo tão importante como cuidar de uma criança, esses procedimentos deviam ser agilizados.

Qual foi a sua primeira experiência na televisão?

Foi a fazer um anúncio de televisão, para o Instituto de Emprego e Formação Profissional.

E dançava? (risos)

Não (risos), apenas fazia um apelo aos jovens, “se estás interessado, inscreve-te”, uma coisa assim. Dizia uma frase para a câmara, sorria e fazia um ar jovem (risos), era miúda na altura. E depois o primeiro trabalho a sério que tive em televisão foi com o Luís de Matos, como assistente de magia.

E foi serrada?

Muitas vezes. Partiram-me ao meio; meteram-me em caixas; partida e desapareci; troquei de roupa. Fazia tudo o que as assistentes de magia faziam e dançava também. Foi muito divertido. Trabalhar com o Luís [de Matos] foi um fantástico arranque profissional e uma excelente escola: ele é uma máquina a trabalhar. Sou completamente fã dele, acho que ele devia ter muito mais trabalho cá. Ele tem um enorme reconhecimento internacional a que não corresponde a sua notoriedade em Portugal.

E nunca pensou saltar para a frente e fazer magia?

Não, protagonista da magia? Não tinha perfil para isso.

Mas já lhe apeteceu fazer desaparecer pessoas?

(Risos) Como toda a gente.

E como surgiu mais recentemente essa oportunidade de representar Portugal num concurso de dança?

Isso foi bastante mais recente. Depois do Luís de Matos fui bailarina no “Um, dois, três”. Representar Portugal foi na sequência do “Dança Comigo”. Nesse ano, 2007, em que participei e ganhei o concurso, resolveram que os vencedores participassem num concurso internacional, “Festival da Eurovisão da Dança”, em que representei Portugal. Fui eu e o Ricardo. Foi uma excelente experiência, fui a Londres e tive a possibilidade de ver como trabalha uma grande estação de televisão. como a BBC: foram cinco dias muito intensos de um verdadeiro workshop de televisão e dança.

Você é do Porto, na altura do “Um, Dois, Três” veio viver para Lisboa?

Durante três anos. Fiz o casting e não pensei que fosse para dançar mais de que uma série de 13 programas. Depois gravei mais duas séries, e depois surgiram outros trabalhos e fui ficando. Em Lisboa há muito mais trabalho nesta área que no Porto. Acabou por ser uma fase muito boa, para já eu tinha 20 anos e era tudo novo para mim. Tinha autonomia, independência, foi sempre o que eu quis, e um ordenado fabuloso para uma miúda. Passei logo a pagar as minhas propinas da faculdade. Comecei a juntar dinheiro para pagar um carro. Foi tudo fantástico. Os meus pais sofreram um bocadinho porque eu nunca tinha saído de casa, apesar de não ser filha única: tenho um irmão mais velho.

E puseram-lhe o irmão mais velho a vigiar-lhe a porta?

(risos) Não, apesar de não ter sequer família cá. Os meus amigos e companhia eram os meus colegas bailarinos. Os meus pais sabiam que era atinadinha.

Depois do Luís de Matos e do “Um, dois, três” quando se dá a sua passagem de bailarina para apresentadora?

Foi quando caí de paraquedas num programa com três horas em direto que é a “Praça da Alegria”. Esse momento aconteceu devido a saída do Manuel Luís Goucha do programa. A sua passagem para a TVI foi um pouco abrupta, ele estava com um pé num sítio e de repente estava noutro. Também não quero estar a falar disso. Passado é passado.

Trabalhou bastante tempo com o Manuel Luís Goucha.

Sete anos. Entrei como assistente para o programa. Apresentava os números musicais, comecei a fazer algumas reportagens, logo de início pegava nos jornais e fazia uma espécie de destaque noticioso do dia. E o arranque para a apresentação foi quando ele saiu. O Jorge Gabriel estava de férias, longe na Tailândia, e naqueles primeiros dias não era possível que fosse apresentar, de modo que eu fui apresentar sozinha durante esse período de tempo. Foi de um dia para o outro. Uma noite ligaram-me e disseram-me: “precisamos de si para assegurar o programa, está disposta a isso?”. Nem pensei duas vezes, disse logo que sim.

Estava, de alguma forma, em casa.

Sim, estava lá há sete anos e já conhecia as pessoas todas. Mas uma coisa é eu apresentar rubricas com uma duração total de dez minutos, outra é eu apresentar um programa de três horas todos os dias, entrevistar os convidados e gerir os tempos. Foi um grande desafio.

Continua a ser o seu dia a dia

Há 20 anos. “A Praça” é um programa riquíssimo, conheces tanta gente e tantas histórias que quase dava para escrever um livro. Lembro-me desde o primeiro programa que apresentei. Nunca vou esquecer os convidados nem a terra: a Nazaré. O convidado principal foi tão generoso comigo que praticamente andou comigo ao colo a ajudar-me. Outra coisa que me marcou imenso é que, no final do programa, tinha toda a equipa e também grande parte dos jornalistas da informação no estúdio a dar-me força.

Como é possível, durante 20 anos, fazer o mesmo programa e isso não se tornar uma rotina insuportável?

É que é um programa que continua a dar-me imenso gozo fazer e que encaro como se fosse um dia de cada vez. Quando se faz algo durante muito tempo tem que ser encarado dessa forma. Tem de se pensar que é algo sempre novo todos os dias.

Isso é uma prisão. Todos os dias tem que estar no ar.

Acho que, nos últimos 20 anos, se faltei por doença duas vezes foi muito. Não é o tipo de programa que possa dizer: “hoje estou com uma enxaqueca não posso ir trabalhar”. Tomo duas aspirinas e vou trabalhar na mesma.

Como é que lhe apareceu o convite para trabalhar na televisão galega?

Foi uma sugestão do Luís de Matos que já tinha trabalhado para eles. A Galiza tem uma forte ligação a Portugal. E tiveram a ideia de terem uma co-apresentadora portuguesa para piscarem o olho ao público português. O programa “Luar” terá também quase 20 anos e foi sempre apresentado pelo Xosé Ramón Gayoso. Eu falava português e ele galego. Foi uma excelente aprendizagem.

Como é o seu dia atualmente?

Acordo às 6h30, tenho os miúdos para tratar: trato do pequeno almoço, preparo as lancheiras, levo os pequenitos para a escola. Às oito horas estou na RTP. Há uma reunião de alinhamento, cabelo, maquilhagem e rever alguns textos que já li de véspera na preparação do programa. Depois saio por volta das duas, depois da reunião de trabalho para o programa do dia seguinte. Durante a tarde, sou eu que vou gerindo o meu tempo. Tenho outros trabalhos ou visitas que me solicitam, ou faço ginásio e depois a partir das 18 vou buscar os miúdos à escola e estou por conta deles.

A televisão não é uma prisão, no sentido que, tirando na China, muita a gente a conhece?

No sentido de apanhar um pifo numa discoteca? (risos). Também não costumo fazê-lo. Não me condiciono, faço a minha vida normal. Vou às compras, ando na rua. As pessoas não me chateiam. Devo-lhes simpatia quando me abordam. Estou sempre disponível para toda a gente, para um beijinho ou tirar uma fotografia. Não tenho tido abordagens desagradáveis.

Está num programa da manhã, com um público mais idoso, e agora canta para os mais novos. É muito diferente?

Tem muita graça, falo para três gerações: os mais novos, os pais deles que me conhecem dos espetáculos dos filhos, e a audiência maioritariamente mais velha do programa da manhã. Sinto-me uma privilegiada.

Já tinha experiência de cantar? Consegue-se ouvir a cantar?

(risos) Agora já consigo. Tinha apenas experiência de emissões especiais, como as noites de Natal, mas agora como o faço regularmente, depois de participar neste projeto para crianças, do produtor Joaquim Borges, já consigo. Os espetáculos infantis são uma alegria. É o tempo todo aos saltos a puxar pelos os miúdos e às vezes acabam literalmente com uma invasão de palco com eles todos a quererem dançar. A energia deles é contagiante. É um público que se entrega muito. Se gosta participa, se não gosta, não está para fazer fretes. É um público verdadeiro.

Nunca pensou fazer cinema e teatro?

Adorava fazer cinema. Fiz minisséries e teatro. Trabalhei com uma encenadora do Porto, a Elisa Pinto, inserida num projeto muito interessante com reclusas em Santa Cruz do Bispo, em que era abordada a vida nas prisões. Ensaiávamos com as reclusas e andei um mês e tal a trabalhar com elas.

Como foi essa experiência?

Foi muito dura. É uma dura realidade ver uma prisão por dentro. Conhecer mães que educam os seus filhos numa prisão e que a partir das sete horas da noite ficam encerradas num cubículo com o seu filhos. Durante aquele projeto acho que se criaram cumplicidades muito boas. Ninguém estava a julgar ninguém. Eu não tentei saber as razões porque estavam presas para estar com elas. A maior parte delas estavam presas devido a crimes relacionados com drogas, frutos e violência doméstica. Mas nós estávamos ali para criar um momento de incentivo para elas, ajudando-as a recuperar, a sua vida, com recurso à arte. Não estávamos para julgar ninguém. Foi uma experiência muito enriquecedora, havia vezes em que saímos de lá carregadinhas.

E o que se vê a fazer daqui a dez anos?

Já pensei mais nisso. Agora concentro-me mais no presente e naquilo que tem sentido agora. Não penso muito daqui a 20 anos. Senão estamos na ânsia de ser felizes daqui a anos. Temos que ter objetivos, mas devemos viver a vida dia a dia.