São 7 da manhã. Vejo uma Londres sombria e chuvosa da janela da minha sala. A televisão está da CNN: TRUMP 257; CLINTON 215; 270 to win. Lembro-me de uma outra madrugada, a de 24 de junho, em que acordei, numa também sombria e chuvosa Edimburgo, para a surpresa do voto na Brexit. Deitei-me num mundo e acordei noutro. E, contudo, as repercussões globais do voto britânico, são bem pálidas quando comparadas com a vitória de Trump. Um Trump Presidente é uma Brexit+++. Para alguém como eu, um cosmopolita liberal, que estudou e viveu nos EUA, cuja filha tem passaporte norte-americano, que vive e trabalha em Inglaterra, é na verdade um dia negro. Talvez porque percebi que pessoas como eu, com ou sem poder político, avaliámos muito mal o que a maioria dos os nossos concidadãos pensam e sentem, e esticámos a corda a um ponto que acabámos por os virar contra os próprios valores que temos como preciosos. Vivemos numa bolha. «Apenas um dos principais jornais nos EUA apoiou Trump»! Não consigo pensar em algo mais paradigmático da dissonância cognitiva e afectiva, que separa as elites bem-pensantes da maioria dos eleitores.
PESOS E CONTRA-PESOS
Muitos agarram-se aos checks-and-balances do sistema político americano para prever um «Presidente Trump» mais moderado do que o «candidato Trump». Os Republicanos vão também ganhar a Câmara de Representantes e o Senado. Com isto conseguem facilmente nomear um juiz tipo Anthony Scalia para o Supremo Tribunal e, assim, garantir uma maioria conservadora do Supremo. Não subestimemos portanto o potencial de alguém a determinação de cruzado de Donald Trump.
GLOBALIZAÇÃO
Há muito que tenciono escrever sobre a globalização. Não é esta a altura. Direi apenas que nós, os cosmopolitas liberais, subestimámos grosseiramente o seu efeito destrutivo nos tecidos profundos da sociedade. Continuo certo que a globalização aumenta a dimensão do bolo e torna o mundo, globalmente, mais rico. Mas isto não significa que não existam ganhadores e perdedores: pessoas, grupos sociais e países. E não existe nenhum mecanismo pelo qual os ganhadores compensem os que são prejudicados. E estes, depois, revoltam-se nas urnas.