O presidente eleito pretende mandar a prudência orçamental às urtigas: prevê um plano de investimentos em infraestruturas de 500.000 milhões de dólares (cerca de 450.000 milhões de euros, 2,5 vezes o valor do PIB português) e baixar os impostos. Pretende além disso (embora ainda não se conheçam os seus planos concretos) subir as taxas alfandegárias dos produtos que entram nos EUA, acabando com uma era de avanços muito importantes no comércio livre.
Gastar dinheiro em infraestruturas, baixar os impostos: duas medidas simpáticas, mas que tenderão a fazer subir a inflação. E o banco central dos Estados Unidos, para combater a inflação, vai começar a subir as suas taxas de juro, provavelmente já em dezembro.
Gastar dinheiro em infraestruturas e baixar os impostos são duas medidas benéficas para a generalidade das empresas. Daí que as bolsas estejam a subir, com o Dow Jones a atingir um novo máximo histórico na semana passada.
Subida das taxas de juro: consequência dos planos da política orçamental expansionista de Trump, que vão levar a mais inflação. Como os mercados por vezes andam em sintonia, as taxas de juro na Europa também estão a subir: por exemplo, as taxas de juro da dívida portuguesa a dez anos estavam às 9.20 horas de hoje em 3,59%, enquanto há três semanas, a 24 de outubro, estavam a 3,15%. Esta subida das taxas não tem consequências imediatas, mas quando o Estado tiver de se endividar novamente no mercado, vai pagar mais.
As taxas de juro também estão a subir nos EUA: dessa forma, o dólar torna-se um investimento mais atraente, e aprecia-se contra as outras divisas, especialmente em relação ao peso mexicano, país que será fortemente penalizado com as medidas de Trump. Além disso, as barreiras alfandegárias que Trump pretende impor beneficiarão várias empresas americanas, sobretudo as que não estão expostas internacionalmente (não devem ser muitas, pelo menos das que estão cotadas na bolsa).
E porque é que nós, na Europa, não podemos imitar Trump?
Em primeiro lugar, porque os alemães têm horror à inflação, devido a um episódio de hiperinflação nos anos 20 do século passado (era mais barato forrar as paredes com notas do que ir comprar de parede). Desta forma, só aceitaram entrar no euro se o Banco Central Europeu fosse muito parecido com o banco central alemão, o Bundesbank. O ex-presidente da Comissão Europeia, o francês Jacques Delors, comentou que “nem todos os alemães acreditam em Deus, mas todos acreditam no Bundesbank”.
Portanto, a inflação não vai subir muito na zona-euro (está em 0,5%). Se começar a subir muito depressa, o BCE não terá grandes problemas em subir as suas taxas de juro, o que não convém nada a Portugal.
Em segundo lugar, gastar dinheiro em infraestruturas e baixar os impostos são medidas simpáticas, que os países da zona-euro não podem praticar em grande escala porque assinaram o tratado de Maastricht, que limita os seus défices orçamentais a 3%. Trump não tem esta limitação: pode passar cheques mais facilmente que os governos da zona-euro.
Por fim, a introdução de barreiras alfandegárias nos Estados Unidos. Neste ponto, Trump recorreu à mais pura demagogia, porque é praticamente consensual que o comércio livre é benéfico (veja-se o caso da União Europeia, um sucesso para os seus 500 milhões de consumidores com acesso fácil a todos os produtos importados de outros países de UE). As taxas alfandegárias norte-americanas vão fazer subir os preços, vão incentivar a emigração ilegal que o novo presidente diz querer combater, e vão lançar no desemprego milhões de pessoas, sobretudo na Ásia.
As políticas de Trump vão contra tudo o que fizemos, pelo menos, nas últimas três décadas. À partida, as ideias de Trump parecem anacrónicas e nocivas. Poderão vir a prejudicar a economia mundial e, por efeito de contágio, Portugal vir a pagar a sua quota-parte do preço.