Tem oito irmãos. Uma operação – quando ainda era bebé – obrigou a família a viajar para Portugal. A recuperação não permitiu que voltassem, de imediato, para São Tomé e Príncipe. E a mãe de Adérito Esteves tomou uma decisão: ficar. Adérito cresceu em Oeiras e sempre foi uma promessa no mundo desportivo. O rugby, aliás, não foi o primeiro desporto onde ‘Dédé’ – alcunha pela qual é tratado no circuito – se destacou.
Aos 11 anos, Adérito Esteves jogava futebol na Associação Desportiva de Oeiras (ADO), mas em «termos técnicos» não se destacava em relação aos miúdos da sua idade. Não largou a bola, mas entrou numa nova aventura, desta vez, com rede. Aos 15 anos estreou-se no voleibol e o talento não demorou a entrar em campo. O selecionador do Clube de Voleibol de Oeiras (CVO), onde entrou com mais um grupo de amigos vindos do futebol, acreditou que o rumo a seguir era «levar [Adérito] à seleção». E tinha razão… só falhou na modalidade. À terceira foi de vez. Desde que experimentou o rugby, Adérito não conheceu outro destino desportivo. Antes disso, dedicou-se à cozinha – percurso académico pelo qual optou – e fez milagres. Foi um dos cozinheiros do restaurante Porto de Santa Maria até lhe ser ‘imposto’ tomar uma decisão.
Até à seleção
Bernardo Gaivão é o nome que Adérito solta quando lhe perguntamos o ‘culpado’ que o desafiou a experimentar rugby. Na altura, com «15 ou 16 anos», o amigo quis que Adérito se juntasse aos treinos da modalidade, em Cascais. Uma opção colocada de parte, desde cedo, porque Adérito «não tinha meios para pagar os transportes». Amigo que é amigo não desiste e Bernardo Gaivão não tardou em solucionar o problema. «Abriu agora um clube em Carcavelos, vai até lá», e Adérito foi. A partir desse momento foi sempre a passar a linha, de inside, literalmente. Do pavilhão para um torneio na praia (de Carcavelos) foi um… olhinho. Mais precisamente o olho de Tomaz Morais, selecionador nacional até 2010, que, desde cedo, percebeu a aptidão e a força do jovem de 16 anos. Adérito era chamado para a seleção de sub-20. Passaram 15 anos mas Dédé continua imprescindível na seleção nacional – mais conhecida por Lobos – fosse na equipa de XV ou de sevens. Foi com o último grupo que atingiu uma marca histórica quando, em fevereiro deste ano, diante dos All Blacks, superou os 100 ensaios no Circuito Mundial. «Não deu para festejar muita coisa porque saímos derrotados», afirma sempre com um discurso alinhado para o coletivo. Da experiência pelos sevens fica a grandeza de jogar entre os melhores jogadores e estádios. «Quando se entra num estádio como o de Hong Kong sente-se o mesmo que um jogador de futebol sente ao entrar no Estádio da Luz», diz em jeito de comparação. Depois da derrota definiram-se novos objetivos e o Brasil era o destino mais desejado. Fala com tristeza quando o confrontamos com o fracasso no acesso às repescagens dos Jogos Olímpicos. O que falhou? «Nada. Não há nada a fazer, nós tentámos. O nosso objetivo como jogadores e como equipa era ir aos Jogos Olímpicos», responde com consciência que essa oportunidade pode já não voltar à toca do Lobo. Não perde (muito) tempo a lamentar esse facto e volta a conversa para o futuro. «Tenho como objectivo o campeonato do mundo de Sevens, em S.Franciso, em 2018», confidencia, mas acrescenta, entre sorrisos, «se ainda tiver pernas».
De volta a França
A primeira experiência de Dédé em solo francês foi há «cinco ou seis anos», conta-nos. Voltou para Portugal e constituiu família. Aos 30 anos sentiu que era o ‘tudo ou nada’ e «que ainda tinha mais qualquer coisa para dar. Tinha de ir para fora [para o profissional] e foi o que fiz», explica numa altura em que olha para o filho Miguel – que não sai do seu colo durante toda a entrevista. Em tom de desabafo deixa escapar que «deixá-lo [ao filho] é o que custa mais». Com um contrato de duas épocas com o Tarbes Pyrénées, «um dos melhores clubes de França», que ocupa neste momento o segundo lugar da tabela, Adérito sabe o que tem de fazer. «Provar que fazes a diferença» é o único caminho a seguir aos olhos do internacional português. O segredo é uma rotina rigorosa. «Às 7 da manhã já estou de pé, às 8h30 tenho treino de ginásio. Por volta das 10 tenho treino no campo. Depois vou almoçar. Às 15h30 tenho mais um treino que acaba pelas 17h», todos os dias «com uma folga».
Quando lhe perguntamos se pode haver uma renovação à vista, Adérito detém-se em dois fatores: esforço e sacrifício. Só assim é possível chegar ao mais alto nível. «Eu tenho-me esforçado e tudo o que faço, faço com sacrifício. Se queres escrever o teu nome numa página de desporto tens de te dedicar», diz sem rodeios.
Plano B
E se depois de uma vida dedicada ao rugby era de esperar uma ligação à modalidade, como treinador ou não, Adérito põe os pontos nos is: «Não tenciono fazê-lo. Nem me passa pela cabeça», diz à entrada, passando rapidamente para o prato principal. Adérito Esteves não é so mestre na arte de ensaiar. Autêntico mestre das artes culinárias, foi cozinheiro na «Commenda, com a chefe Catarina, estive no restaurante Rio’s e no Porto de Santa Maria». Foi do último restaurante que recebeu um convite que teve de recusar e aproveita o momento para pedir desculpa aos chefes Frederico e Baltazar, «mas não podia desperdiçar esta oportunidade». Quando as portas do estádio se fecharem e arrumar as botas no armário sabe bem o que fazer. «Não é bem um restaurante. É mais um pub. Não é para ires lá morrer e apanhares bebedeiras, mas um pub tranquilo com comes e bebes, uma coisa como deve ser», atira enquanto se perde em pensamentos relacionados com o futuro negócio. De megalómano nada tem volta a falar sobre o espaço que imagina na cabeça: «Uma coisinha minha nem que seja pequena, mas que dê para aplicar o que aprendi». Uma coisa é certa, o pub – tão à moda inglesa – é para abrir em Portugal, junto da família.
Com os Lobos
Numa viagem relâmpago a Portugal – onde hoje vai defender as cores nacionais pela seleção de XV num jogo de preparação para o Rugby Europe Trophy 2016-17 – falamos ainda com Adérito sobre o futuro dos Lobos.
«Nós temos bons atletas. O nosso problema aqui é não termos em quantidade. Não podes ter jogadores a jogar seis meses fora sem se dedicarem. É muito giro ter amor à camisola, ir lá fora, lutar juntos. Sempre fizemos isso e sempre estivemos no topo mas é difícil… A maioria dos miúdos são novos e é preciso haver uma integração», explica. Mas não é só esse o problema, na perspetiva de Adérito. «Neste momento estamos a atravessar uma crise. Não podemos transformar agora o rugby» numa modalidade profissional. «Não dá», afirma com realismo. O seu objetivo com a Seleção portuguesa passa, para já, por «subir novamente para a série B com os quinze».
Quando lhe perguntamos quais são os três ingredientes para uma receita de sucesso – como atleta, leia-se -, responde sem demorar mais de dois segundos: «Espírito de sacrifício, querer mais que tudo e nunca desistir. Quando te dizem que não consegues é quando tens de provar a ti mesmo que afinal consegues e eu fiz isso». Para complementar, uma pitada de «sorte e acompanhamento, como eu tive, dos treinadores e da equipa. No meu caso fui acompanhado pelo Pedro Neto, Tomaz Morais, Pico, Martim. De resto é acreditar e estar sempre focado». Às pessoas que tentaram levá-lo a desistir, pede para verem «na televisão, no facebook e no YouTube porque agora estou aqui [França]».
laura.ramires@sol.pt