1936-2016. Miguel Veiga, o ideólogo elegante

PSD lamenta morte de fundador. Pedro Passos Coelho e Marcelo Rebelo de Sousa despediram-se com palavras de louvor. O funeral será hoje, pelas três da tarde, no cemitério de Agramonte

Um partido a chorar. Contadores de histórias que relembram memórias. O PPD/PSD com orgulho da sua génese.

Miguel Luís Kolback da Veiga morreu ontem à hora de almoço, em casa, com 80 anos de idade e em consequência de uma pneumonia.

A Câmara Municipal do Porto decretou três dias de luto na autarquia depois de o seu presidente, o independente Rui Moreira, ter consultado os vários partidos. No ano passado, Veiga havia sido homenageado com a medalha de honra da cidade onde nascera a junho de 1936. Estudou Direito na Universidade de Coimbra e fundou o PPD no ano da revolução dos cravos, com Francisco Sá Carneiro e Francisco Pinto Balsemão.

Ontem, Balsemão assinou uma carta de despedida no “Expresso” onde lembrava o amigo como “um advogado à antiga, que se entregava de alma e coração aos processos que acompanhava de A a Z. Um advogado que gostava de ir a tribunal, o que hoje vai rareando. Um advogado humano, que aceitava clientes que já sabia não lhe poderiam pagar os honorários.” Foi deputado à Assembleia Constituinte e membro do conselho de administração da Impresa, detida por Balsemão, e assinou artigos de opinião no semanário “Expresso” até irromper em polémica com o, à época, diretor José António Saraiva devido a alegações de plágio.

Era um homem bom, mas bom pela sua própria bondade e primando pela liberdade de a exercer conforme acreditasse correto.

SEM MEDO Apoiou Mário Soares em 1985 contra a candidatura de Freitas do Amaral a Belém que o PSD escolhera, criticou as maiorias de Cavaco Silva mas apoiou–o em 2006 para a Presidência da República, integrou a dissidência de Aveiro contra Sá Carneiro. Mais tarde reconciliar-se-iam com a ajuda de Balsemão.

Ao i, José Pacheco Pereira, também um homem da cidade do Porto, recorda-o por três pontos: “Primeiro, o gosto pela vida, sendo de facto um bon vivant no melhor sentido da expressão; segundo, o amor pelo Porto, pela sua cultura liberal e pela dureza do seu trabalho; e em terceiro, a sua consciência da social-democracia e o facto de se manter sempre dignamente mesmo quando isolado.”

Possuía, portanto, uma aversão ao dogma. Na sua coerência ideológica pela social-democracia no termo mais original, que o colocava na esquerda do PSD, negava “gramáticas de obediência”.

Essa aversão seria talvez responsável pelo seu laicismo assumido. O certo é que não deixava de defender aquilo em que acreditava por conveniências, circunstâncias, ambições ou sequer amizades. Recusou o convite para integrar governos cinco vezes. Apoiou tanto Rui Rio como Rui Moreira para a Câmara do Porto.

LIVRE António Tavares, outro social-democrata da velha guarda e atual provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, lembra-o como “um grande social- -democrata que, desde o 25 de Abril, deu sempre atenção às questões sociais e ao equilíbrio da economia na sociedade”. Era, para Tavares, “um homem da liberdade”. Veiga foi agraciado precisamente como grande oficial da Ordem da Liberdade.

CAVALHEIRO DA POLÍTICA Hugo Soares, atual vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, contou ao i a ocasião em que conheceu Miguel Veiga, “num jantar do PSD/Braga, há cerca de oito anos, numa efeméride da morte de Francisco Sá Carneiro, em que foram convidados Mário Soares e Miguel Veiga, tão distantes mas tão bem conhecedores das lutas partidárias de 1975 e 1976”.

Hugo Soares afirma ter ficado marcado pela “cultura ímpar e pelo cavalheirismo pouco comum nos dias de hoje” que fez Miguel Veiga continuar a referir-se a Mário Soares como “sr. Presidente” mesmo após Soares lhe dizer: “Mas, Miguel, eu já não sou Presidente”. Hugo Soares não esquece o gesto do fundador do seu partido, que terá respondido: “Um Presidente é sempre Presidente.”

Do Palácio de Belém chegou ontem uma nota de Marcelo Rebelo de Sousa louvando “o seu amor a Portugal, um amor feito de raízes portuenses, de afirmação da primazia da Cultura”, entre outras virtudes. Nesse sentido, Miguel Veiga foi júri do Prémio Fernando Pessoa desde que a distinção foi criada, em 1987.

Ao homenageá-lo durante a sua Presidência, Aníbal Cavaco Silva citou-lhe uma graça: “Sou como um gato, gosto que me façam festas.” Ontem, ninguém pôde festejar. O PSD perdia um pilar do seu berço, mas não o esquecia.

Ontem, desde o fim da tarde, o velório foi no Palacete Visconde de Balsemão, na Praça Carlos Alberto. Hoje, a partir das 15 horas, o funeral será no Cemitério de Agramonte.

Em vida, Miguel Veiga publicou um livro intitulado “O Meu Único Infinito é a Curiosidade”. No caso deste felino, foi ela que o fez viver.