1.Parece que António Costa é, segundo o dicionário de Jorge Jesus, “bocejado pela sorte”. Para além das suas (únicas?) virtudes habilidosas, António Costa goza de um conjunto de privilégios – familiares, mediáticos, de influências – sem paralelo na política portuguesa (e na vida).
O líder socialista foi hábil e audaz na forma como capturou o poder – e a sorte tem acompanhado a sua audácia. Depois da Comissão Europeia ter anunciado que não suspenderá a aplicação dos fundos comunitários destinados ao nosso país – e do Comissário Moscovici ter elogiado o Governo da “geringonça” -, eis que o INE divulga os dados da evolução da economia portuguesa, apontando para um crescimento de 0,8% face ao trimestre anterior e de 1,6% face ao período homólogo face ao ano transacto. Há aqui, na análise destes números, que destrinçar o aspecto económico e o aspecto político puro.
2.Quanto ao aspecto económico, trata-se claramente de um indicador positivo e que, ele próprio, poderá reforçar a confiança dos agentes económicos. Julgamos que se trata de uma matéria em que todos os portugueses estão de acordo: se a nossa economia cresce, tal é positivo para Portugal e permite vislumbrar algumas luzes de esperança neste sombrio país “geringonçado”.
Nenhum português deve fazer oposição ou desejar o pior para a nossa Pátria – tudo o que é positivo para Portugal, é positivo para os portugueses. Os Estados estão acima dos Governos, dos Primeiros-Ministros, dos Ministros das Finanças – bem como daqueles que conjunturalmente, em cada momento histórico, lideram a oposição. Posto isto, será que há razões para o Governo montar uma festa em torno deste número? Não cremos. Impor-se-ia, antes, uma reacção prudente, cautelosa, racional.
3.É que não é certo que os dados revelados ontem pelo INE sejam indicadores de uma tendência de crescimento, havendo fortes (e legítimas) suspeitas de que se trata de um fenómeno momentâneo. De uma convergência singular de factores positivos (relacionados com o aumento da procura interna e com o crescimento excepcional do turismo) que dificilmente se repetirão.
Ou seja: o crescimento da economia no último trimestre não significa o sucesso de uma política económica sobre outra, nem tão pouco que Portugal já se encontra no pelotão da Europa (como insinuou subtilmente o inigualável António Costa) – significa tão só um número positivo, verificado numa certa altura do ano. Resta saber se esta evolução é para continuar; ou se será apenas (como já os houve no passado, longínquo e recente) um número avulso, um dado enviesado que não reflecte uma tendência de evolução.
4.Dito isto, passemos à vertente política. Três notas se impõem:
1)Mudam-se os tempos, mudam-se as conveniências, mudam-se os discursos. Quando o Governo de coligação PSD/CDS obtinha (e obteve mais do que uma vez) dados económicos positivos (quer no que respeita à evolução da economia, quer em termos de emprego), a esquerda unia-se para desvalorizar tais dados. A narrativa era então muito simples: o crescimento da economia é uma situação excepcional; assenta, não numa decisão do Governo, mas sim do Tribunal Constitucional; o Governo beneficiou do terrorismo internacional; o Governo só conseguiu obter tais dados favoráveis, em virtude da precarização das relações laborais, dos “recibos verdes” e dos empregos de baixos salários. Hoje, vemos que a esquerda (toda unida – desde o PCP até ao PS!) rejubila com um indicador que consiste tão só na evolução da economia durante três meses do ano – e, precisamente, a altura do ano que a mesma esquerda, sendo oposição, tanto desvalorizava. Conclusão: se é a esquerda que consegue fazer crescer a economia nos meses de Verão, tal é um facto patriótico; se é a direita, é um atentado aos direitos dos trabalhadores e um hino à precarização das relações laborais;
2) António Costa precisava desesperadamente deste dado económico positivo. O Governo vivia (ainda vive?) o seu momento político mais dramático, com o “folhetim” da Caixa Geral de Depósitos. A “geringonça” mostrava os primeiros sinais de divergência pública entre o PCP e o BE – e fala-se já na saída inevitável do Ministro das Finanças. Ora, neste contexto, o Governo da esquerda unida teria de assumir novamente a iniciativa política. De um dado que permitisse a António Costa marcar positivamente a agenda mediática, desviando as atenções da Caixa Geral de Depósitos. Nada melhor para o efeito que a notícia de crescimento económico no último trimestre – para o cidadão comum, isto significa sucesso e a possibilidade de António Costa estar mesmo certo;
3) A geringonça está mesmo para ficar. Com este dado económico, a “geringonça” fica reforçada: o cimento que une PCP, Bloco de Esquerda e PS fica mais resistente, reduzindo-se ao mínimo a possibilidade de quebrar. Este indicador é um balão de oxigénio que dará força ao Governo, credibilidade e confiança entre os parceiros da geringonça, para os meses que se seguem. Ariscamos mesmo afirmar, desde já, que este dado será determinante para António Costa conseguir cumprir a legislatura: o Orçamento de 2017 passará sem dificuldades, aliás, o próximo ano será um passeio para Costa; 2018 será um ano já a pensar nas eleições de 2019; 2019 será um ano eleitoral em que António Costa não brincará em serviço. Em 2019, vai parecer que o Pai Natal aterrou em Portugal…A geringonça pode mesmo correr bem para António Costa; vai correr certamente muito mal para Portugal e para os portugueses.
5.Uma nota derradeira, em jeito de conselho para Pedro Passos Coelho. Hoje já é oficial que as expectativas e a previsão dominante no PSD de que a geringonça seria uma realidade precária revelaram-se infundadas. E o PSD, adoptando um discurso catastrofista e baixando as expectativas, permitiu ao PS e aos “unidos de facto” da geringonça apresentar qualquer notícia menos má – como um feito inédito, exemplar, genial, único na nossa História. E com tamanha propaganda política, reforçar a sua força e António Costa o seu estatuto de líder.
6.Meu caro Pedro Passos Coelho, há que aproveitar o reforço da geringonça para iniciar um novo ciclo de oposição, assente em novas ideias, em novos projectos, num novo discurso.
Mais arrojado, mais ideológico, mais virado para os problemas reais dos portugueses. É que o diabo orçamental cancelou a sua viagem e já não virá (pelo menos, nos próximos meses) – e Jesus Cristo desceu à Terra e está em Belém, ajudando militantemente António Costa…
7.O seu futuro, meu caro Pedro Passos Coelho, só depende de si. Não percamos mais tempo. Portugal precisa de uma oposição mais aguerrida, embora responsável. De uma oposição mais consequente, embora consciente.