O anúncio da candidatura de Emmanuel Macron ao cargo de presidente da República Francesa, esta quarta-feira, não foi propriamente uma surpresa – já tinha criado um movimento político centrista em abril e demitira-se do governo socialista em agosto, descontente com o rumo que estava a ser seguido – mas promete causar dissabores tanto à esquerda como à direita. O antigo “ministro-estrela” entra na corrida como candidato independente e promete ir buscar votos aos dois campos políticos, assentando a sua estratégia num posicionamento anti-sistema.
Quando o jovem político de 38 anos lançou o movimento “En Marche!” (“Em Movimento!”), em abril deste ano, apresentou-o como uma plataforma de promoção de “novas ideias, nem de esquerda, nem de direita”. Vindo de um membro do executivo socialista – ainda que não filiado no partido -, em plenas funções, o novo projeto parecia soar, logo ali, como uma demarcação das políticas seguidas pelo primeiro-ministro Manuel Valls e pelo presidente François Hollande, o mentor político de Macron.
A rotura consumou-se poucos meses depois, quando o responsável pela pasta da Economia apresentou a sua demissão, no verão, aumentando os rumores de que estaria a preparar-se para se lançar à presidência, com eleições marcadas para abril (primeira volta) e maio (segunda volta) de 2017.
Hoje os rumores viraram mesmo realidade e um ambicioso Macron anunciou aos jornalistas, em Saint-Denis, arredores de Paris, que se apresentava como o “candidato da esperança”, que irá “desbloquear a França”. “O nosso sistema político está bloqueado (…) com as mesmas caras, os mesmos homens e as mesmas ideias”, argumentou o ex-banqueiro, citado pelo “El País”, aquando da confirmação da intenção de concorrer ao mais alto cargo político em França. “Rejeito este sistema”, apressou-se a dizer.
A postura assumida por Macron é um claro sinal dos tempos que correm. Consciente do clima de insatisfação popular que teima em espalhar-se cada vez mais pelas democracias ditas ocidentais – exacerbado pela crise económica e a alegada incapacidade do sistema convencional em responder aos desafios da globalização, como a imigração ou a multiculturalidade – e, particularmente, pela França, o antigo ministro optou por se distanciar da impopularidade recorde que paira sobre a presidência de Hollande, para assim poder consolidar o seu perfil de candidato autónomo, centrista, desagrilhoado de interesses partidários e capaz de estender a mão a todos os franceses insatisfeitos. “O desafio não é agrupar a direita ou esquerda, mas agrupar a França”, garante Macron.
Contas baralhadas?
Ao assumir uma candidatura independente e dispensar o apoio do partido que representou enquanto ministro da Economia, o jovem Macron livra-se, naturalmente, de ter de se apresentar às eleições primárias do Partido Socialista, previstas para janeiro do próximo ano. Uma decisão que pode abrir caminho a uma vitória facilitada de quem concorrer a essas eleições socialistas, mas que não deixará de ter impacto na hora da apresentação das candidaturas.
Hollande já deu alguns sinais de que pode apostar na reeleição mas, para já, mantém segredo. A chegada à frente do seu carismático “protegido”, aliada à impopularidade galopante da sua própria presidência, irão valer-lhe, seguramente, algumas insónias. À espera (ou não) de uma decisão do chefe de Estado, estará ainda o primeiro-ministro Valls, catalogado pela imprensa francesa como o “rival natural” de Macron.
A verdade é que não concorrendo pelos socialistas, o mais recente candidato ao Eliseu, promete criar divisões à esquerda. E também à direita moderada. Os Republicanos iniciam as primárias no próximo domingo, para a nomeação presidencial do partido – onde se destacam as candidaturas do ex-presidente Nicolas Sarkozy e do ex-primeiro-ministro Alain Juppé – e quem sair vencedor, certamente preferiria contar com a oposição de um único candidato da esquerda-centro, idealmente representada por uma cara do governo ou da presidência, em queda nas intenções de voto. Que o diga Juppé, resoluto em ir buscar votos ao eleitorado do centro.
A primeira volta das eleições presidenciais será disputada em abril, entre todos os candidatos que se apresentem. Caso nenhum dos competidores logre a maioria, uma segunda volta terá lugar em maio, entre os dois mais votados. Face ao crescimento da popularidade do partido de extrema-direita, de Marine Le Pen, e ao movimento contrário dos socialistas, as sondagens sugerem que poderá haver um confronto final entre a líder da Frente Nacional e o candidato dos Republicanos.
O anúncio de Emmanuel Macron tem, contudo, o potencial para baralhar estas contas e numa altura em que faltam pouco mais de seis meses para as eleições, Hollande está cada vez mais pressionado a tomar uma decisão. Avançar ou recuar? Eis a questão.