O i falou com João Matos Fernandes na quarta-feira, ainda o ministro estava em Marraquexe, na COP 22 – um “espaço magnífico para troca de experiências”. Das impressões que trocou com os seus homólogos, viu uma vontade comum no cumprimento das metas para a diminuição das alterações climáticas e não hesitou na hora de assumir que Portugal tem condições para cumprir tudo aquilo a que se propôs. E nem Donald Trump é capaz de abalar este otimismo generalizado. “A validade do acordo, assim como a robustez dos EUA, vai prevalecer”, defendeu.
De tudo o que está a ser debatido na COP22, o que pode Portugal reter de mais importante?
O que acontece na COP não perturba o compromisso de Portugal. As metas foram definidas ainda antes de Paris, com cada país a entregar os seus próprios compromissos. O que está a ser discutido na COP é o calendário para operacionalizar o que ficou definido em Paris, e isso é válido para Portugal como para os outros países.
Com o acordo ratificado, que pormenores ficaram por acertar?
O que falta agora é discutir o que ficou em aberto, nomeadamente os mecanismos de financiamento e a definição de regras para quem não cumprir e, principalmente, a forma como será feito o reporte e a monitorização do que é alcançado.
Portugal tem condições para cumprir as metas a que se propôs?
Inequivocamente, sim. Portugal comprometeu-se a, até 2030, reduzir em 30 a 40% as suas emissões. O primeiro-ministro garantiu terça-feira que Portugal será um estado neutro de emissões de carbono até 2050, ou seja, as emissões que provocar serão tão reduzidas que acabam compensadas pela própria capacidade que a natureza tem de absorver os gases carbónicos.
Consegue antever qual será o investimento necessário para cumprir essas metas?
Não vale a pena falar de valores num processo que pode levar décadas. Além disso, dizer um valor daria a ideia errada de que falamos apenas de um investimento público, e isso está longe de ser verdade. É um investimento que parte de todos nós, até da forma como usaremos a energia em nossa casa.
Mas em termos de investimento público, quais seriam as prioridades?
A melhoria da rede de transportes é, sem dúvida, uma delas. Temos de assegurar que somos capazes de reduzir em 26% as emissões que resultam do setor dos transportes em Portugal. Mas lembre-se que, no que diz respeito a empresas de transportes coletivos, só a Carris e a STCP são do Estado, a maior parte são privados. Mesmo assim, o governo já anunciou que vai financiar a aquisição de 500 autocarros ambientalmente sustentáveis para renovação da frota de autocarros.
Ainda dentro da mobilidade, a diminuição de circulação de carros nas cidades também é uma prioridade?
Sim, daí a aposta numa melhor rede de transportes coletivos e, aqui, a expansão dos metros de Lisboa e Porto é da maior importância, assim como a renovação das redes de autocarros. Além disso, compete às autarquias a melhoria das condições de circulação a pé e de bicicleta nas cidades, nomeadamente através do alargamento de passeios e da criação de ciclovias.
É um trabalho conjunto?
Esta é uma tarefa que está muito para além da competência política do governo. Passa muito, por exemplo, pela forma de produzir energia em Portugal, e todas as empresas desse setor são privadas. Recorde-se que a extração de matérias-primas no mundo é responsável por 55% dos gases que provocam efeito de estufa. É importante começarmos a avançar para uma economia circular, uma economia que, no limite, não provoca resíduos.
Em Portugal, quais seriam as alternativas energéticas mais viáveis?
Deixar de usar carvão na produção de energia, o que terá um papel importantíssimo na redução das emissões atmosféricas. Depois, temos de compensar esse desaparecimento da utilização do carvão na produção de energia por fontes renováveis.
E quais são as mais viáveis em Portugal?
As eólicas, as hídricas e a solar. Esta última, não tenho dúvidas, dará um grande salto nos próximos anos.
Soubemos esta semana que Portugal subiu no ranking dos países industrializados com melhor desempenho quanto às políticas climáticas. A que se deve esta melhoria?
No ano passado, Portugal desceu no índice não tanto por ter piorado, mas porque os outros países tinham dado um salto maior que o nosso. Para esta subida, acho que a coerência das políticas foi fundamental. Os resultados são visíveis, com o incremento do uso de energias renováveis, mas também com o voltar a pôr a mobilidade elétrica como tema de debate. A isto junta-se o esforço de fazer uma reabilitação urbana com mais eficiência energética.
No geral, os portugueses estão mais conscientes desta necessidade de diminuir o impacto climático?
Não tenho dúvidas sobre isso. Já ninguém questiona o impacto do homem nas alterações climáticas, até porque já sentimos as consequências disso. Não estamos a falar do amanhã. Basta olhar para os últimos fenómenos extremos para provar que a situação é bem real, e Portugal tem assistido a isso de perto, principalmente com as cheias nas zonas mais vulneráveis. As pessoas sentem que estão a cuidar do seu futuro, mas também do seu presente.
Teme que a posição de Donald Trump sobre as alterações climáticas possa influenciar o cumprimento do acordo?
A vontade dos povos de alterar o seu comportamento climático é que é responsável pelo Acordo de Paris e não o contrário e, por isso, parece-me claríssimo que há coisas que não vão voltar para trás. Além disso, os EUA são muito mais que a sua administração. Sempre tiveram um papel importante no que toca a avanços técnicos e científicos e há muito dinheiro investido na construção de novas formas de ser mais eficiente.
Mas Trump parece vir contrariar essa tendência.
Estamos a falar de um país altamente poluidor e com um forte compromisso no que respeita à ajuda dada a países mais pobres para que tenham, também eles, sociedades menos dependentes de energias poluentes. Os Estados Unidos são os Estados Unidos, são um país que influencia outros países.
Está preocupado com as consequências?
Não nego a minha preocupação, mas acredito que seria de uma insensatez absoluta voltar para trás no acordo e na redução da emissão de gases com efeitos de estufa. Acredito que a validade do acordo, a par da dimensão e robustez de um país como os EUA, vai prevalecer.