Confiança Pública, dúvida privada

Os juros da dívida pública estão a subir desde as eleições nos EUA. Apesar da confiança expressa pelas entidades políticas, os investidores permanecem céticos sobre o futuro.  

Os juros da dívida portuguesa atingiram um novo máximo desde fevereiro. As obrigações do tesouro a dez anos chegaram a uma taxa de 3,8% naquela que foi a oitava sessão em que o valor esteve a crescer. Esta tendência mantém-se apesar da luz verde dada pela Comissão Europeia ao Orçamento do Estado para 2017 e de não aplicar sanções a Portugal (ver texto ao lado) .

Desde as eleições nos EUA, a 8 de novembro, que a taxa das obrigações subiu de 3,22% para a atual. Apesar de a tendência não ser um exclusivo nacional – os juros das obrigações italianas subiram para 2,15% e o das de Espanha para 1,651% – a dívida portuguesa é apontada como uma das mais vulneráveis a choques.

«Os juros da dívida portuguesa estão a subir mais do que os outros e isto deve-se a uma leitura simples: Portugal está muito endividado e um aumento nas despesas do serviço da dívida deteriora a situação económico-financeira do país. Portugal parte de uma posição vulnerável e se os juros subirem muito vai ser mais difícil cumprir os objetivos orçamentais, tornando a dívida portuguesa mais arriscada. É um ciclo que se autoalimenta», analisa Filipe Garcia, da IMF – Informação de Mercados Financeiros.

Um destes choques poderá vir na política económica do presidente-eleito Trump, que, a comprovar-se a sua política de estímulos económico, poderá dar início ao fim da era dos juros baixos.

«Há duas fragilidades principais específicas que estão à vista de todos: o crescimento é baixo e o stock de dívida é muito elevado. Portugal está muito dependente da política monetária do BCE de manter os juros muito baixos e vulnerável à subida desses mesmos juros. O que hoje é uma situação relativamente calma e confortável em termos de financiamento pode rapidamente transformar-se num problema grave», continua o economista.

Afastamento

Em antecipação deste cenário os investidores estão a afastar-se do mercado das obrigações. A agência Bloomberg revela que nos últimos dias este mercado teve a pior prestação do último quarto de século.

«Parece-me que, globalmente, os preços das obrigações já atingiram o seu máximo. A continuidade da subida das taxas dependerá se as perspetivas de mais inflação no futuro se irão ou não concretizar, mas o mundo não me parece preparado para voltar a ter as taxas de juro a níveis historicamente normais», comenta ainda o economista da IMF.

A pressão sobre as obrigações aumenta em vésperas de novo leilão de títulos portugueses. O Commerzbank emitiu uma nota para os investidores a recomendar cautela com a dívida portuguesa e antecipa um leilão de mil milhões de euros de Obrigações do Tesouro com maturidade em outubro de 2022 e julho de 2026 na quarta-feira, dia 23. Até lá «será pouco provável um alívio nos juros da dívida portuguesa até o leilão se concretizar», diz a instituição financeira.

Limiar

A taxa de juro atual aproxima-se do limiar – 4% – colocado pela DBRS, a única agência de rating que mantém a dívida de Portugal acima do nível de lixo, para se preocupar com a atribuição do rating. A DBRS diz que os juros nestes montantes não permitem ao Estado substituir dívida antiga e assim poupar nos juros a pagar.

Face a estas incertezas deverão ser mantidas as medidas de estímulo do Banco Central Europeu (BCE). «Ainda não podemos baixar a guarda», disse o presidente do BCE numa conferência em Frankfurt. «O BCE continuará a agir, como necessário, usando todos os instrumentos disponíveis» até que a inflação acelere, disse Mario Draghi.

A 8 de dezembro o BCE vai decidir se mantém o programa de compra de dívida e assim continuar a reduzir as taxas de juro, impulsionando assim os empréstimos, o crescimento e a inflação.

Draghi diz que o BCE «está comprometido em manter um grau muito substancial» de estímulo monetário.