1.Marcelo Rebelo de Sousa notabilizou-se pelos seus talentos de comentador político: enunciava factos, ditava tendências de opinião e…inventava factos à medida das suas ambições políticas. É um elemento que Marcelo tem em comum com o Presidente Donald Trump: ambos são eleitos, em grande medida, pela televisão. Ambos são produtos do “infotainment”.
2.A grande questão é a de saber se o Marcelo-Presidente mantém os traços essenciais de pensamento do Marcelo-comentador. A resposta é, em larga medida, negativa. Quem como nós conhece muito bem o pensamento de Marcelo, não deixa de ser caricato (mesmo extremamente insólito!) ouvir certas declarações do Presidente Marcelo.
Confirma-se: não há um Marcelo, há vários Marcelos. Marcelo Rebelo de Sousa tem uma capacidade inaudita de criar personagens: desta feita, Marcelo criou uma personagem de Presidente que é um “avôzinho” da Nação: dá beijinhos, abraços, tira fotos e tenta tirar Passos Coelho da liderança do PSD.
3.Agora, sobre um caso gravíssimo, como é o caso da Caixa Geral de Depósitos, Marcelo escusa-se a fazer comentários adicionais. Mas comenta as estrelas Michelin dos restaurantes portugueses, comenta o estado de saúde de familiares de Chefes de Estado estrangeiros e, enfim, apresenta os mais variados livros. E o que diria Marcelo Rebelo de Sousa, nos seus comentários dominicais com Judite de Sousa, sobre o caso da CGD? Atentemos no diálogo que Marcelo travaria com a jornalista da TVI, se ainda fosse comentador, no próximo domingo:
“Boa noite Judite, como está? Está mais animadinha hoje. Está com óptima cara. Olhe, a pergunta que me coloca é, de facto, a pergunta que os portugueses têm colocado aos milhares durante esta semana. Através de email e em encontro pessoal: por exemplo, ontem, estava a nadar na Praia da Conceição e um senhor veio ter comigo para saber a minha opinião sobre o folhetim (este é o adjectivo que melhor qualifica este caso) da Caixa Geral de Depósitos. Este é um exemplo de escola do que não deve ser feito em política.
O Governo fica mal na fotografia. O Presidente da República fica mal na fotografia. E os administradores da Caixa dão um péssimo exemplo aos portugueses e um tiro monumental na reputação do banco. Vejamos por partes.
O Governo ficou mal na fotografia. Então, Judite, admite-se que o Primeiro-Ministro, que tem como dever constitucional proteger os interesses do Estado, permita que alguém com relações formais com outro banco (o BPI) tenha acesso privilegiado a informação confidencial da Caixa Geral? Porque carga de água é que se comete um acto tão infantilmente desastrado? Se António Domingues queria começar a trabalhar imediatamente no processo de recapitalização da Caixa, tinha bom remédio – demitia-se das suas funções no BPI e iniciava ligação imediata com a Caixa. Fácil. Agora, António Domingues ter actuado da forma promíscua como actuou, em claro conflito de interesses, suscita legítimas críticas.
O que está em causa não é a honradez e idoneidade de António Domingues – o que está em causa é a competência do Governo em defender o interesse público. Se António Costa contrata um amigo, por ser seu amigo sem contrato; se começa a trabalhar com pessoas ligadas a outros bancos sobre matérias extremamente relevantes para o futuro da Caixa, quem nos garante que não assume comportamentos tão ligeiros e dúbios quanto a matérias estruturantes para o Estado Português? António Costa comete sucessivos atentados contra a dignidade das instituições em Portugal.
O Presidente fica mal na fotografia. Aqui, o Presidente da República não actuou com a diligência devida – então promulga um diploma, sem o ler atentamente? Mas será possível que o Senhor Presidente da República, ou a sua equipa de consultores jurídicos, não foram capazes de identificar que este diploma poderia suscitar um problema delicado de relação entre actos legislativos? Não lhe suscitou qualquer inquietação que o Governo quisesse excepcionar a aplicação do regime do estatuto do gestor público?
Não lhe suscitou esta decisão qualquer dúvida em termos de transparência e de escrutínio público e político da actividade dos administradores da CGD? O que fica para a História é que o Presidente da República não age –reage. Anda a reboque das conveniências, não de Portugal, mas deste Governo. E deste Governo, apenas.
Então um comentador político (meu concorrente, mas enfim…sabe que eu costumava chamar ao Dr. Marques Mendes o meu “porta-chaves”? A Judite está-se a rir, mas é verdade…) consegue identificar um problema na lei de forma mais rápida e eficiente do que o próprio Presidente da República? Um comentador identifica uma polémica que o Presidente da República e a sua equipa toda ignoram – depois de estudarem o diploma dias a fio? Impressionante! Diz muito sobre o funcionamento das nossas instituições políticas, Judite!
O que é que eu, Marcelo Rebelo de Sousa, faria, caso fosse Presidente? Muito simples: devolvia o diploma para o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa, dizendo: “ Faça ´lá o favorzinho de clarificar a Lei, de assegurar a transparência e o escrutínio dos rendimentos dos administradores da Caixa, que não são mais do que qualquer outro titular de cargos públicos!
O Sr. Primeiro-Ministro não se esqueça que tem que defender a seriedade e dignidade das instituições políticas!” Comigo uma situação destas seria inadmissível! O Presidente da República tem que rever a sua postura e a sua atitude para com as instituições do Estado! Uma trapalhada!
Por último, a Administração da Caixa ficou terrivelmente mal na fotografia. Com que autoridade moral poderão agora exercer as suas funções? Como poderão os portugueses – os verdadeiros accionistas da Caixa – confiar na administração do banco público? Judite, a resposta é muito simples: não podem. A recusa em entregar a declaração de rendimentos ao Tribunal Constitucional foi um pontapé na nuca monumental.
É o chamado acto contraproducente: atinge-se os próprios, enfraquecendo a sua posição. Quem poderá confiar em alguém que tem medo de dizer claramente aos portugueses que tem acções no BPI? Quem poderá agora confiar cegamente ou acriticamente ou simplesmente de bom grado com quem quer esconder os seus rendimentos? Isto dá azo a todo o tipo de suspeitas! Porquê e para quê?
Sendo que António Domingues já veio implicitamente criticar, chamando mesmo mentiroso, ao Ministro das Finanças, com quem se irá relacionar nos próximos meses ou anos! Portanto, não lembra ao careca insinuar que o Ministro das Finanças é mentiroso – e de pois continuar tudo como se nada fosse? Isto é uma República das Bananas, Judite!
Enfim, Judite, vamos esperar que na próxima semana, estejamos aqui a comentar em termos mais positivos. Que António Domingues, António Costa, Mário Centeno e o Presidente da República ganhem juízo, de uma vez por todas! Comigo, ah comigo, nada disto aconteceria! Pode ter a certeza , Judite!
Olhe para terminar docemente, tenho aqui para lhe oferecer marmelada de Odivelas e aquilo que as senhoras chamam de bijuteria de Évora. Tudo para si, Judite – se calhar, do que António Costa e António Domingues (e já agora, o Presidente da República) precisam é de marmelada de Odivelas! Até para a semana, Judite!”.