Uma pesquisa rápida na internet por «comprar prédios devolutos em Lisboa» e o resultado é imediato: surge quase um milhar de edifícios por onde escolher. Alfama, Avenidas Novas, Marvila, Beato, Ajuda, Santa Maria Maior. As freguesias sucedem-se e repetem-se, o que não constitui, de todo, uma novidade. Um pouco por toda a cidade, há prédios a cair e imóveis em maior ou menor estado de degradação.
Segundo informações da Câmara de Lisboa enviadas ao SOL, no terceiro trimestre deste ano estavam contabilizados 55.400 edifícios. Destes, 7% «estão totalmente devolutos». Ou seja, há 3878 imóveis nestas condições ou que, pelo menos, não estão habitados. É que, para a CML, «a classificação ‘devoluto’ não significa, contudo, mau estado de conservação. Poderá significar até casas reabilitadas e novas construções, mas que se encontram no mercado sem utilização».
O número é alto – se considerarmos que em cada edifício poderiam morar 20 pessoas (ainda assim, esta será uma estimativa feita por baixo) –, contabilizamos um total de 77.520 possíveis moradores destas casas.
Embora os números continuem elevados, a quantidade de prédios total e parcialmente devolutos tem descido nos últimos anos. Em 2008, havia 4800 edifícios nestas condições e, em 2010, o número estava nos 4681.
Apesar do decréscimo, a quantidade de prédios nestas condições na cidade é preocupante. Em primeiro lugar, há a questão da competitividade do mercado: os lisboetas queixam-se dos arrendamentos cada vez mais altos, fruto também do boom turístico da cidade.
Por outro lado, a grande maioria dos edifícios devolutos situa-se nas freguesias centrais – e, por isso, mais antigas – o que empurra a população para habitações nas franjas da cidade. Isto obriga a que as pessoas se desloquem diariamente para os seus trabalhos (as chamadas migrações pendulares) que causam graves problemas na mobilidade, como é o caso do trânsito.
Da CML aos privados: o que tem sido feito
Uma das campanhas mais icónicas contra esta realidade foi levada a cabo pelo Bloco de Esquerda em 2010. A iniciativa ‘Aqui podia Viver Gente’ chamou a atenção para a necessidade urgente da requalificação urbana.
Nos últimos anos, o executivo camarário conduzido pelos socialistas tem tentado mudar este panorama através de programas de incentivo à reabilitação e mesmo à reconstrução dos edifícios.
Até ao início de novembro, a câmara investiu um total de 66 milhões de euros na reabilitação do património habitacional municipal. E pretende investir ainda mais.
Fonte oficial do gabinete da vereadora de Habitação e Desenvolvimento Local, Paula Marques, revelou ao SOL que já foi aprovado um investimento de 75 milhões de euros para a reabilitação do parque habitacional da câmara num projeto que se deverá desenrolar até 2020. «Estes investimentos envolvem empreitadas em 26 bairros», disse a mesma fonte.
Além da regeneração do edificado, a câmara tem previstos projetos de construção de novas habitações. «Dos 75 milhões disponíveis, 25 serão usados no projeto ‘Aqui há mais bairro’, que prevê intervenções em 21 bairros municipais [geridos pela GEBLIS]», adianta.
Já o problema dos edifícios devolutos de proprietários privados é mais complexo. Em Lisboa, um terço dos prédios estão em propriedade horizontal, o que torna o processo não só mais difícil como mais demorado.
Para seduzir os proprietários a reabilitar o património a CML tem, desde 2014, um programa chamado RE9 com várias medidas de apoio. As iniciativas vão desde a «isenção da cobrança de IMT e de taxas municipais», à «redução do IVA na mão de obra e materiais», e «à isenção de IMI». Há ainda «outros benefícios fiscais em termos de IRS, IRC e redução sobre as mais valias».
Além disso, a autarquia disponibiliza «projetos de arquitetura e engenharia acessíveis, através de parcerias com as ordens dos engenheiros e arquitetos».
Proprietários descontentes
Por outro lado, há advertências fiscais para quem mantiver propriedades em mau estado.
Os proprietários de prédios em ruínas ou devolutos têm, por exemplo, um agravamento na Taxa Municipal de Proteção Civil, um imposto que começou a ser cobrado há um ano e veio substituir a Taxa de Conservação e Manutenção de Esgotos.
Este imposto – com o qual a câmara procura arrecadar 18.9 milhões por ano que vão servir para financiar investimentos no setor – tem gerado controvérsia entre os proprietários. Há duas semanas, a Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) pediu mesmo aos donos de imóveis para impugnarem o imposto.
«A Taxa de Proteção Civil de Lisboa não é mais do que um adicional ao IMI [Imposto Municipal sobre Imóveis], de valores insustentáveis para a esmagadora maioria dos proprietários de imóveis em Lisboa», defendeu a ALP, que relatou ainda que o valor adicional ao IMI «pelo menos, 12,5 por cento deste imposto (podendo ascender aos 200% do IMI no caso de imóveis devolutos)».
«[Esta taxa vai] asfixiar vários milhares de proprietários lisboetas já muito sobrecarregados por uma insustentável carga fiscal», referiu a ALP.