Marginal é estrada mas pode ser contexto e passado, que é o de Pedro Batista e de Francisco Vidal, feitos artistasnesse “subúrbio privilegiado” em que cresceram e fizeram skate e música e pintaram na década de 90. E podia até ser Carcavelos o título desta exposição em que pela primeira vez colocam a sua obra em diálogo, olhando para o que têm em comum desse passado, mas se foi esse o lugar que os fez, foi a Marginal o caminho que os trouxe aqui, ao lugar que ocupam e a esta exposição na Underdogs, em Lisboa.
E um vestido na sala pode ter o peso de um elefante, sobretudo se a sala for uma galeria e se o vestido tem tudo a dizer. Vestido de Afro Antoinette, personagem presente em todas as pinturas que Francisco Vidal apresenta em “Marginal”, essa mistura de Europa e África que é o próprio artista com o seu passado que vem de Cabo Verde e de Angola. “Afro Antoinette é uma mistura Europa-África, que é o que eu sou, e é o tema de todas as pinturas”, explica o artista que representou Angola na 56.ª`Bienal de Veneza, em 2015, o mesmo ano em que decidiu que queria devolver o seu trabalho a Lisboa. Daí chega a esta “exposição muito lisboeta”, para a qual o convidou Pedro Batista, num tempo em que a responsabilidade de pensar uma cidade cada vez mais do mundo se tornou maior do que nunca. “O turismo em Lisboa permitiu uma mudança, e a cidade mudou muito, mas nós como lisboetas também temos que ter uma atitude de tentativa de regulação de todas as indústrias, de tudo o que acontece connosco.”
E estamos de volta ao vestido, “pintado à mão numa intervenção do it yourself”, tal como o número zero do fanzine lançada em conjunto com esta exposição, no sentido literal que é ter a fotocopiadora na sala. Será esse processo que permite ao artista chegar aqui a um “espaço especial, diferente”. Foi deste vestido que encontramos no meio da sala que vieram as pinturas, onde se repetem os mesmos padrões, o espaço em branco como o vestido. “Ao mesmo tempo, existe nas pinturas um pensamento sobre produção têxtil, os padrões africanos que são impressos em algodão para depois serem feitas roupas que se usam muito no Congo e em Angola. Afro Antoinette está a gritar por um pensamento sobre os novos padrões segundo os quais vivemos hoje”, explica Francisco Vidal sobre este seu trabalho que diz ser também diarístico.
“Eu pinto sobre aquilo que estou a viver”, acrescenta o artista, que produziu parte das obras no espaço da galeria, nas semanas que antecederam a inauguração. “O sítio é importante, e esta galeria é importante porque tem uma atitude diferente de todas as outras galerias em Lisboa”, diz Francisco Vidal sobre a Underdogs, galeria que procura criar um espaço na arte contemporânea para novos tipos de artistas vindos cultura urbana. “Gosto de sentir o espaço da galeria e transmitir isso nas peças. Estas são pinturas que foram trabalhadas nesta exposição, nesta altura, com aquilo que me está a acontecer na vida agora e com todos os pensamentos e as pessoas que me são próximas. Como o Pedro e o fanzine que vamos fazer, da relação que temos como pintores, e acho que é uma exposição muito lisboeta. Embora fale de Luanda — esta estética tem muito a ver com aquilo que aprendi em Luanda — é a primeira vez em muito tempo que exponho pintura em Lisboa e estou contente porque é uma exposição mesmo marginal, neste sentido de chegar a Lisboa.”
Uma exposição “mais periférica ao centro”, completa Pedro Batista, que aqui procura resgatar as referências da sua adolescência passada, como a de Francisco, na Marginal de Cascais da década de 1990, e questionar-se sobre o seu percurso e o que o trouxe ao lugar onde chegou: “De onde é que venho; por que é que pinto assim; por que é que continuo a pintar; por que é que gosto de usar as mãos; por que é que sou pintor. Muitas das respostas vêm dessa altura.” Que é ao mesmo tempo o que mais têm em comum os dois artistas, além da pintura.
“O termos crescido nesta zona, neste subúrbio de alguma forma privilegiado, com acesso à cidade, com os mini-happenings que iam acontecendo em Oeiras com o punk, as bandas de garagem e o hardcore — eu também tinha as minhas bandas — e o skate, que unia aquela coisa toda de rua, que tornava tudo muito móvel porque toda a gente andava de skate e estava na rua. A ideia de eu montar o meu próprio skate, de usar muito o corpo, de ser muito físico, de alguma forma a minha profissão veio perpetuar um bocado essa atitude”, diz Pedro Batista que em “Marginal” apresenta um conjunto de pinturas a óleo sobre papel fotográfico, retratos que partem de processo de apropriação de fotografias, frames de filmes, registos.
Nesse sentido e nos processos foram os dois artistas resgatar o tempo de uma adolescência em que não se conheciam mas que os levou ao mesmo lugar, a pintura. Daí que aqui tenha que haver um fanzine como os que Francisco Vidal fazia nesses tempos em que tudo se fazia e mudava de forma diferente porque não havia internet. “Fomos à nossa adolescência e a essa geração, esse do it yourself.”