1.A demissão de António Domingues é mais um episódio digno de indignação (para os portugueses) e de embaraço (para as instituições democráticas) – que, no entanto, mais uma vez, vai passar incólume para António Costa. Na democracia portuguesa, há mesmo dois pesos e duas medidas: um peso e medida para o centro-direita; um outro peso e uma outra medida para a esquerda e a extrema-esquerda.
Esta tendência é ainda mais reforçada quando os media do politicamente correcto nutrem uma admiração ilimitada pela personagem liderante da esquerda – neste caso, a esquerda portuguesa caviar tem um fascínio ilimitado, quase doentio, por António Costa. Por várias razões que um dia explicaremos neste nosso espaço aqui no SOL.
2.Posto isto, a demissão de António Domingues é uma humilhação para muitos. Primeiro, para António Costa e Mário Centeno. Segundo, para o próprio António Domingues. Terceiro, para Marcelo Rebelo de Sousa. Quarto, para Luís Marques Mendes. Expliquemos.
3.Primeiro: uma humilhação para António Costa e Mário Centeno. O processo de recapitalização da CGD foi propalado, durante muito tempo como uma prioridade política para o actual Governo: tratava-se de defender o banco público, o banco âncora do nosso sistema financeiro, a última muralha de defesa dos interesses nacionais.
Passos Coelho era um malandro, um pobre diabo, um “sacaninha” (como muita gente da esquerda caviar o qualificava) porque…queria privatizar a Caixa! Vejam bem: o Governo de Passos Coelho, como pretendia entregar o banco público aos privados, estava a decapitá-lo para o poder dar a preço da uva aos “grande capital” – eis a narrativa que encheu os sonhos da esquerda durante quatro anos.
4.António Costa, esse, era diferente: um patriota, um defensor do banco público, um homem visionário que quer dar ao Estado mecanismos de intervenção no sector financeiro e na economia para apoiar pequenas e médias empresas no acesso ao financiamento da respectiva actividade.
No Verão, António Costa e Mário Centeno eram verdadeiros heróis: lembram-se das manchetes proclamando “ António Costa e Centeno convencem Bruxelas”, “Bruxelas rendida a António Costa”, “ como António Costa e Mário Centeno bateram o pé a Bruxelas”?
4.1.Pois bem, volvidos escassos meses, eis que, afinal, o processo de recapitalização da Caixa Geral não foi um sucesso: pelo contrário, foi uma autêntica vergonha para a democracia portuguesa, cujos efeitos ainda teremos de calcular nos próximos dias, semanas, meses, anos.
Esta forma de António Costa actuar de forma informal, sem transparência, numa verdadeira opacidade é insustentável – e um atentado à dignidade das instituições democráticas. Foi assim com o amigo Lacerda Machado. Foi assim com o caso “Galpgate”. Foi assim no caso “Brandãogate”. É assim no caso “CGD/António Domingues”.
4.2.Ora, se há meses, o processo de recapitalização da Caixa era um enorme sucesso – agora que o processo voltou à estaca zero, por culpa do Governo, é o quê? Um grande sucesso na mesma? Um relativo sucesso? Um sucesso que só não é mais porque António Domingues não deixou? Tal narrativa poderá ser deveras atractiva para a esquerda – mas pertence exclusivamente ao domínio da fantasia. Esperemos que até os comentadores mais facciosos reconheçam que esta é uma derrota para António Costa. Que é um tiro monumental (e fatal?) na sua credibilidade. Que o Governo prejudicou significativamente os interesses de Portugal, dos portugueses e das empresas portuguesas.
4.3. Já agora: como é que António Costa vai explicar o que sucedeu na CGD à Comissão Europeia? Veremos. Curioso, no entanto, desde já notar que a mesma esquerda que tanto criticava o Governo de Passos Coelho por primeiro dar explicações às instituições europeias e só depois aos portugueses – é a mesma que apoia um Primeiro-Ministro que se recusa a explicar as razões (verdadeiras) da demissão de António Domingues, mas que terá que explicar às instituições europeias o sucedido.
Afinal, não é que António Costa é forte com os “fracos” (para ele, o povo português) – mas fraco com os fortes (para ele, as instituições europeias)?
5.Em segundo lugar, é uma humilhação objectiva para António Domingues. Humilhação no sentido em que se submeteu a este processo político, sendo objecto de contundentes (e justas, muitas vezes) críticas.
5.1.Para alguém, como António Domingues, que muito preza a sua privacidade e limita ao mínimo as suas aparições públicas e mediáticas, trata-se de uma situação intolerável. No plano pessoal e profissional: depois de uma carreira muito competente na banca privada, como se sentirá por se envolver no processo mais embaraçoso da política portuguesa desde há muito?
Certamente, muito desgastado e até revoltado. Sejamos claros: António Domingues demitiu-se porque já estava esgotado com tanta polémica e com tamanhos ataques da classe política. A mesma classe política que o escolheu para Presidente da CGD.
5.2. António Domingues confiou na palavra de António Costa e de Mário Centeno – e percebeu que foi enganado por estes dois políticos. Que a palavra de António Costa vale pouco. Palavra dada a António Domingues, não foi palavra honrada.
Ao primeiro sinal de controvérsia (o comentário de Luís Marques Mendes sobre a eventual excepção ao Estatuto dos Gestores Públicos), António Costa “puxou as orelhas” a António Domingues em público. Ora, como poderia alguém sério, competente e profissional, como o meteórico Presidente da Caixa, trabalhar com um Primeiro-Ministro que só pensa nas suas conveniências e nos interesses políticos imediatos?
5.3.António Domingues percebeu que seria sempre o elo mais fraco – e que seria inviável desenvolver um projecto sério e estável com um Primeiro-Ministro como António Costa. Não tenhamos medo das palavras: António Costa mentiu a António Domingues – foi o Primeiro-Ministro, em articulação com o Ministro das Finanças, que garantiu ao Presidente e restante administração que poderiam não apresentar as respectivas declarações de rendimentos, caso aceitassem assumir o desafio do processo de recapitalização do banco.
Quem inicia uma missão tão complexa quanto relevante para Portugal como o processo de recapitalização da Caixa, sabe que não poderá obter sucesso se não contar com o apoio leal do Primeiro-Ministro (ao qual, em última instância, caberá a escolha das opções fundamentais do banco público).
5.4. Nossa pergunta: se António Costa entalou – mentindo e manipulando – como entalou António Domingues, quem confiará no Primeiro-Ministro para exercer a mesma função ou funções semelhantes? Quem aceitará colaborar com o actual Governo? Parece-nos que a resposta é demasiado simples: apenas um boy, um aparelhista do PS ou um amigo de António Costa de há longas décadas (e mesmo assim com reservas…).
6. Quanto a Marcelo Rebelo de Sousa e a Marques Mendes, o caso é elementar: o primeiro não conseguiu resolver o problema, apesar de se ter intrometido na gestão do caso, reunindo até com António Domingues (diz-se que até falaram duas vezes oficialmente…).
O que mostra que politicamente (olvidando a dimensão afectuosa), o Presidente da República tem sido incrivelmente ineficiente: promete promover consensos, mas o seu feito mais significativo até ao momento foi a garantia da estabilidade da geringonça, ou seja, consensos no extremo esquerdo do espectro político-partidário.
Aliás, politicamente, foi o único- de resto, sempre que Marcelo Rebelo de Sousa se conluiou com António Costa para resolver problemas do sector bancária deu asneira. E da grossa: já havia sido com o BPI e é agora, novamente, com a CGD. Portanto, o Presidente fica mal na fotografia com a demissão de António Domingues e restante administração do banco público.
7.Por último, Luís Marques Mendes inaugurou um novo formato televisivo: o comentador que faz política pura, portando-se como o verdadeiro líder da oposição. Bastou Marques Mendes lançar a suspeita sobre a eventual revogação à Lei do Estatuto do Gestores Públicos para se gerar um caso de dimensões gravíssimas.
Goste-se ou não se goste, parece que é Marques Mendes quem define o calendário político nacional nos dias que correm – o que (falemos claro!) não deixa de ser um sintoma da fraqueza das nossas instituições políticas e uma capitulação do jornalismo de investigação (através da gestão dos seus contactos pessoais, o ex-líder do PSD consegue saber mais do que os jornalistas e outros agentes da comunicação social afastados da vida partidária). Não há dinheiro para o jornalismo de investigação: restam os contactos de Luís Marques Mendes e outros políticos televisivos.
8.Contudo, Luís Marques Mendes mostraria uma enorme dimensão ética e de humildade democrática se admitisse que errou na avaliação que fez de Pedro Passos Coelho. Há cerca de dois meses, o político televisivo afirmou que o líder do PSD cometeu um erro político crasso por denunciar na TV as ligações informais de António Domingues à Caixa, ainda estando ligado ao BPI.
Desta forma, Pedro Passos Coelho pretendeu evidenciar a falta de transparência do processo de recapitalização da Caixa decidido por António Costa. Ness altura, Luís Marques Mendes defendia veementemente o processo, a escolha de António Domingues, atacando o líder do PSD por não seguir o mesmo caminho.
Hoje, sabemos que Luís Marques Mendes mudou de posição, criticando o processo, criticando a atitude de António Domingues e restantes membros do Conselho de Administração e criticando, enfim, o Governo de António Costa – ou seja, Marques Mendes converteu-se à posição de Pedro Passos Coelho, que há dois meses tanto criticara. Por que razão não reconhece a mudança humildemente? Ou a única pessoa em Portugal, nos dias que correm, que pode ser criticada chama-se Pedro Passos Coelho?
Em conclusão: mais um caso político gravíssimo, altamente censurável que é protagonizado pela geringonça. Num ano, já é o quinto !É obra! Só ao alcance de António Costa: se fosse outro Primeiro-Ministro , todas estas histórias eram trapalhadas que motivavam a intervenção do Presidente da República. Mas Portugal está em clima de festa – prossiga, pois, o forrobodó!
Já António Domingues, para além de banqueiro competente, é apenas um visionário: ele confiou na palavra de António Costa, acreditou em António Costa – e foi tramado por António Costa. É o que nos vai acontecer. A todos nós: os portugueses confiaram na sua palavra, estão a confiar no nosso Primeiro-Ministro. No fim desta história, seremos nós a ser tramados: aí veremos que notáveis habilidosos nem sempre (ou mesmo nunca!) dão notáveis políticos.