1.Um fenómeno que se repete de quatro em quatro anos, normalmente sem qualquer novidade: antes, uma repetição monótona e insípida dos discursos proferidos desde 1974 (pelo menos!) – referimo-nos, claro, ao Congresso do PCP. Este realizou-se no passado fim-de-semana, tendo sido mais uma sessão solene de coroação de Jerónimo de Sousa como o “pai do povo”.
Todavia, note-se que a edição deste ano do “Concílio dos Sovietes” foi pautada por uma novidade muito significativa: o discurso anti-Governo, o discurso de exortação à marcha contra os “fascistas” que nos governam – foi substituído pelo discurso do compromisso, da apologia da acção política possível contra a acção política idealista, pelo elogio ao pragmatismo da decisão política contra vanguardismos ou revoluções. Isto é: o PCP rendeu-se ao poder.
2.O PCP assumiu-se como um partido de Governo – e não já como um partido de contestação. O PCP deixou de ter um discurso revolucionário – adoptando, doravante, um discurso comodista.
Aplicando os princípios marxistas da análise da evolução histórico-social, a dialéctica entre o PCP e o PS, entre a esquerda rendida ao capital e a esquerda que supostamente defendia os trabalhadores contra a exploração do homem pelo homem, terminou. Chegou ao fim a relação dialéctica entre PS e PCP.
Quem venceu? O PS – volvidos quarenta e dois anos da instauração da democracia em Portugal, o PS absorveu os comunistas. O PCP capitulou – não tem discurso (Jerónimo de Sousa teve um dos piores discursos de sempre desde que é o líder dos comunistas portugueses, no encerramento do Congresso), não tem alma, não tem substância, não tem sequer a retórica inflamada nem o orgulho no legado de figuras como Lenine, Estaline ou Ceausescu de outrora.
4.Meus caros, o PCP (Partido Comunista Português) morreu. Nasceu um novo PCP: o Partido Conservador Português.
Com efeito, o PCP, por muito que tente disfarçar a realidade, mudou de natureza – é um partido burguês, essencialmente conservador.
Um partido burguês, na medida em que, nos dias que correm, comunga de todas as características que tanto criticara nos outros partidos: a submissão aos ditames do poder; a defesa dos seus interesses individuais (perpetuação de poder de alguns dos seus sindicalistas) contra o interesse colectivo; a tomada de controlo do Estado e outras entidades públicas pelos sindicatos que lhe estão subjugados, numa lógica de imposição de interesses corporativos-sindicalistas sobre o interesse público; o recurso à mentira e à hipocrisia para iludir o povo de que o PCP é “puro”, mesmo estando informalmente no Governo.
É o PCP que suporta António Costa – contudo, no discurso dos seus dirigentes, parece que os comunistas ainda se encontram fora de qualquer solução governativa.
Ora, usar a mentira descarada, a hipocrisia e o fingimento como modo de estar permanente na política, trocando princípios e valores por conveniências e interesses – são condutas próprias (segundo o velho PCP) dos partidos burgueses. Conclusão: o PCP é hoje um partido burguês.
5.Por outro lado, o PCP é um partido ultra-conservador. Isto é, o PCP não quer transformar a realidade – quer apenas conservar a realidade. E que realidade? Um país com uma administração pública enorme, imóvel, que não é susceptível de ser reformado, sem atender às premências do nosso futuro colectivo.
O PCP quer manter os privilégios de alguns, mesmo que coloque em causa o bem de todos. O PCP quer manter tudo como está, desde que os seus sindicatos não percam poder. O PCP não se interessa pelo futuro de Portugal; apenas se interessa pela defesa dos interesses dos seus funcionários e clientelas eleitorais. Não tenhamos dúvidas: o PCP não defende os portugueses; defende (somente!) os seus associados e a sua clientela eleitoral.
6.Assim sendo, António Costa, percebendo as vulnerabilidades e a vontade de poder do PCP, “comprou” o partido em saldos. Então, o PCP anda há quarenta anos em luta nas ruas para conseguir…um aumento de 20 cêntimos para os funcionários públicos, no subsídio de refeição? Foi para isto que o PCP lutou?
Se o objectivo da luta fosse este, então, por que Jerónimo de Sousa não o disse mais cedo? Certamente qualquer Primeiro-Ministro, incluindo Pedro Passos Coelho, teria dado os 20 cêntimos a Jerónimo…
Se fosse este o preço para o PCP ficar sossegado e poupar-nos a retórica gasta dos anos 30 do século passado, nós, como contribuintes portugueses, teríamos dado, de bom grado, os 20 cêntimos ao PCP!
Deixemo-nos de rodeios: o PCP mudou porque gostou dos privilégios que só o poder confere. Gostou do ar do poder. E por lá quer ficar, mesmo que isso seja renunciar a toda a sua história. Mas alguém alguma vez acreditou que o PCP estava mesmo preocupado em defender o povo português?
7.Duas notas finais: primeiro, o PCP, durante o fim de semana, apelou frequentemente ao apoio dos “patriotas”. Ou seja, o PCP está a apelar ao voto dos sectores mais conservadores da sociedade portuguesa, mesmo os simpatizantes da direita ultra-montada, da extrema-direita.
É uma ironia da história: o PCP assume-se como o único partido (devido à sua política “patriótica” contra a globalização) capaz de enquadrar os apoiantes do salazarismo.
8.Segunda nota: dizem-nos que a primeira pergunta que os funcionários do PCP fazem a um futuro militante prende-se com a sua ascendência. Com as suas origens familiares. Se os ascendentes foram comunistas, são protegidos; se os ascendentes são de outro partido, criam-se dificuldades.
Ora, este é (mais) um traço que o PCP partilha com o Estado Novo – a importância da ascendência, das “boas famílias”. Pois bem, o PCP é contra a ascensão social, preferindo defender a “aristocracia vermelha”, a “aristocracia comunista”.
9.Sobre o último congresso do PCP não há, pois, muito a dizer. A não ser que foi homenagem sentida a Oliveira Salazar. O PCP é o partido mais burguês do espectro partidário nacional actualmente.