A festa comemorativa do 1.º aniversário do Governo foi uma operação de marketing como nunca se viu.
Ensaiar um show para o primeiro-ministro responder a perguntas da plateia, com todo o Governo (tanta gente!) a assistir atrás dele, foi um espetáculo quase grotesco.
António Costa ia passando certas perguntas para os ministros – «Senhor ministro das Finanças, que está aí tão calado, responda a esta questão» – como se fosse um mestre de cerimónias.
E a seguir mandou os ministros pelo país fora, como vendedores de banha da cobra, para propagandearem o seu trabalho. Não sei como eles se sujeitaram a tal fantochada…
A comemoração do 1.º ano de existência do Executivo foi, assim, a cereja no topo do bolo de uma governação marcada por um marketing agressivo e muito eficaz (a avaliar pelas sondagens).
Decorrido um ano sobre a tomada de posse, o ponto da situação é este:
1. O Governo passou a mensagem de que o rendimento das famílias aumentou.
Trata-se de uma ilusão, pois os aumentos de rendimentos foram praticamente absorvidos pelo aumento dos impostos e pelas subidas de preços (a inflação tem vindo sempre a crescer desde o início do ano).
2. O Governo passou a mensagem de que a economia cresceu muito.
é um perfeito embuste, pois a economia cresceu no 3.º trimestre mais do que crescera no ano passado, mas nos outros dois trimestres cresceu muito menos; e no final deste ano vai situar-se muito abaixo de 2015 (cujo valor final corrigido foi de 1,6%, quando este ano rondará o 1%).
3. O Governo passou a mensagem de que recapitalizou a CGD, enquanto o Governo anterior a tinha deixado cair.
Trata-se de mais um engano, pois a recapitalização da CGD não foi nem será feita em 2016, passando para 2017 (apesar de, segundo o Governo, ser «muito urgente»).
4. O Governo passou a mensagem de que o PSD usou a CGD como arma política, prejudicando o país.
é virar a realidade do avesso, pois quem arrastou os problemas da CGD foi o Governo, demorando sete meses (!) a empossar a nova administração, fazendo uma lei para isentar os administradores de cumprirem as obrigações legais, e finalmente revelando-se incapaz de os obrigar a entregar as declarações de rendimentos – facto que os levou à demissão.
5. O Governo passou a ideia de que, no meio de todas as dificuldades, ainda pagou ao FMI, substituindo dívida mais cara por dívida mais barata.
Passou-se o contrário: o Governo pagou muito menos ao FMI do que o previsto. Estava planeado para este ano um pagamento de 6,6 mil milhões de euros, que foi adiado pelo facto de uma parte (2,7 mil milhões) ser usada para recapitalizar a CGD. Mas a recapitalização não se fez – e o Governo, em vez de pagar ao FMI os 6,6 mil milhões previstos, só pagou 2 mil milhões.
Uma última nota, muito sintomática.
Em 24 de outubro, António Costa anunciou um grande empreendimento para Lisboa.
Só que, além de ser uma iniciativa da CML e não do Governo (devendo ser anunciada por Fernando Medina), a operação ainda não tinha sido aprovada pela Câmara Municipal de Lisboa quando Costa a anunciou!
O primeiro-ministro antecipou-se à própria entidade a quem cabia decidir.
A denúncia foi feita aqui no SOL por Sofia Vala Rocha e ninguém reagiu.
Como este exemplo, há vários.
Para o Governo, 2016 foi um ano de propaganda e de virar as questões ao contrário, atirando as culpas para os adversários – arte em que Sócrates também era exímio.
Além disso, adotou uma atitude pública invulgar, apresentando-se muitas vezes como a ‘oposição da oposição’.
O Governo e o PS ocuparam mais tempo a atacar Pedro Passos Coelho e o PSD do que a defender a sua política.
Os ataques de Carlos César e António Costa a Passos Coelho ultrapassaram por vezes os limites do razoável.
E os seus parceiros de ‘coligação’, o BE e PCP, preocuparam-se mais em atacar ‘a direita’ do que em defender o Governo.
Diziam (e dizem) constantemente: «A direita isto, a direita aquilo…»; a direita, embora já não seja Governo, continua a ser o papão.
No tempo da troika, não me lembro de ouvir o Governo, o PSD ou o CDS atacarem tão obsessivamente o PS (apesar de este flagelar Passos Coelho por cumprir o memorando da troika que o Governo do PS assinara).
Passos Coelho era atacado quando estava no Governo – e continua a ser atacado na oposição…
Além da formidável propaganda que fez de si próprio, este Governo verdadeiramente não fez nada.
A única coisa que fez foi reverter o que o anterior Governo tinha feito.
Reverteu as privatizações dos transportes (incluindo a TAP), reverteu os cortes e as sobretaxas, reverteu o IVA da restauração, reverteu as 40 horas na Função Pública, reverteu os feriados, reverteu os exames, vai reverter o fecho dos tribunais.
Foi um Governo que, em lugar de fazer, desfez.
E, na sua propaganda, contou com cumplicidades importantes.
Contou, primeiro, com a cumplicidade do Presidente da República: nunca um Governo teve um apoio tão explícito por parte de um PR como este tem tido.
Contou com a cumplicidade da CGTP – que aceitou não fazer barulho nem manifestações.
Contou com a complacência dos media (compare-se a atitude da comunicação social em relação a este Governo e ao Governo anterior) e com a cumplicidade de alguns comentadores televisivos conotados com o PSD (Marques Mendes, Manuela Ferreira Leite, Pacheco Pereira, Marques Lopes).
Mas – atenção – isto também é um mérito: saber fazer propaganda de si próprio, saber enganar os pacóvios, saber ganhar a confiança do PR, saber lidar com a extrema-esquerda e saber seduzir os media e os comentadores de outros quadrantes é uma arte.
Entretanto, toda esta onda favorável foi criando a ideia de que este Governo é ótimo – quando na verdade é péssimo.
O resultado da sua ação será desastroso.
As reversões vão atrasar imenso o país, a economia vai crescer menos do que no ano passado, a dívida do Estado está em máximos históricos e o investimento privado em mínimos, o investimento público desapareceu, os juros da dívida portuguesa subiram.
Mesmo em relação ao défice pode haver muitas surpresas.
Mas isso só se saberá lá para março.
E enquanto o pau vai e vem folgam as costas.