1.É inacreditável. Algo nunca visto: um Presidente da República que se coloca no papel de justificar as opções governativas. Um Presidente da República que fala pelo Primeiro-Ministro, que assume as opções como suas, que as elogia como se fossem decisões próprias – nunca acontecera algo de semelhante na democracia portuguesa.
Nem se diga que acontecera algo semelhante durante a Presidência de Mário Soares: alguém se recorda de o Presidente Mário Soares defender entusiasticamente, como se fosse o líder do executivo, as opções políticas do Primeiro-Ministro, Aníbal Cavaco Silva? Nunca.
2.Tão pouco tal nível de colagem entre Presidente da República e Primeiro-Ministro se verificou durante a coabitação do Presidente Cavaco Silva com José Sócrates. Portanto, esta tendência de Marcelo Rebelo de Sousa para se comportar como o chefe de executivo do Governo da geringonça é insólita.
Um momento único –e infeliz – da democracia portuguesa. O Presidente da República deveria ser um contrapeso ao executivo – controlando-o, fiscalizando a sua actividade política, promovendo o regular funcionamento das instituições democráticas.
3.Ao Presidente da República exige-se, pois, distanciamento crítico, capacidade de influência sem intromissões indevidas, tornar o diálogo institucional possível, sem se querer substituir aos demais órgãos constitucionais.
Exige-se, enfim, um Presidente próximo dos portugueses – e distante, mas não alheio, institucionalmente face aos demais órgãos constitucionais. Só assim o sistema de governo português poderá funcionar em pleno.
E Marcelo Rebelo de Sousa sabe-o – enquanto Professor de Direito publicou obra sobre matéria, em que defende exactamente o que hoje aqui enunciamos. Por que razão Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto Presidente da República, se transformou em alguém que faz o contrário do que defendeu ao longo de uma vida? Para agradar a António Costa? Porque deve algo a António Costa, designadamente em termos de apoios eleitorais no passado e, quem sabe, no futuro? Porque quer ter o apoio de comunistas e bloquistas? Porque quer agradar a Deus e ao Diabo, a gregos e a troianos? Porque Marcelo considera-se tão providencial que quer atingir o que nem Jesus Cristo conseguiu – agradar a tudo e a todos?
4.Uma coisa é certa: António Costa está a aproveitar, com mestria, este voluntarismo de Marcelo Rebelo de Sousa. Repare-se que, no que concerne à matéria da CGD, o primeiro a reagir, em defesa de Paulo Macedo, foi Marcelo – e não, como seria lógico, o Primeiro-Ministro, António Costa.
Efectivamente, a sobreexposição de Marcelo Rebelo de Sousa permite a António Costa resguardar-se, não sofrendo os efeitos negativos dos seus erros. Marcelo responde; António Costa confirma as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa.
5.Inacreditável, mais uma vez, foi a reacção de Marcelo à nomeação de Paulo Macedo como Presidente da CGD. O Presidente da República afirmou que esta solução ainda é melhor do que a primeira – e, portanto, foi bom termos vivido o folhetim António Domingues, avançando que não houve trapalhadas nenhumas.
Só faltou mesmo afirmar que esta telenovela foi pensada ao pormenor por António Costa para impor Paulo Macedo ao PS! Senhor Presidente, acha mesmo que os portugueses são parvos? E a comunicação social compra esta explicação sem mais? Sem contraditório? Sem fazer perguntas difíceis a Marcelo? Como é possível?
6.Contudo, o mais inacreditável foi a declaração de impotência de Marcelo Rebelo de Sousa. Confrontado com a questão do salário pornograficamente elevado do Presidente da CGD, Marcelo limitou-se a dizer que mantém a sua discordância, mas “manda quem pode”. Que é o mesmo que dizer, a culpa é do Governo – foi António Costa e Mário Centeno que decidiram.
7.Pequeno problema: Marcelo Rebelo de Sousa está a ocultar deliberadamente a verdade aos portugueses. É verdade (como disse o Presidente, numa frase que evoca outros tempos) que manda quem pode, obedece quem deve – mas, no caso concreto, o Presidente poderia mais do que fez.
De facto, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa promulgou a lei que permite ao Governo pagar valores exorbitantes ao Presidente da CGD. Se não fosse Marcelo Rebelo de Sousa, a lei não teria entrado em vigor – ou, pelo menos, não o teria tão facilmente.
É, pois, Marcelo Rebelo de Sousa o responsável último pelo salário de Paulo Macedo, que agora o mesmo Marcelo Rebelo de Sousa resolveu tão duramente criticar.
8.Dir-se-á que Marcelo promulgou o referido diploma com reservas. Certo: mas se promulgou, significa então que as divergências políticas com a decisão do Governo são mínimas. Tão mínimas que Marcelo preferiu apoiar António Costa. Com que cara pode, agora, vir o Presidente criticar o salário de Paulo Macedo? Não pode, sob pena de contradição escandalosa dos seus comportamentos e declarações públicas – ou, porventura pior, como declaração de impotência política gritante.
9.Marcelo Rebelo de Sousa continua, pois, a dizer uma coisa –e a fazer o seu contrário. Nossa pergunta: até quando? Até quando os afectos permitem esconder as suas asneiras políticas, que tanto custam aos portugueses?
Que saudades temos do outro Marcelo! Que prometia tanto ser um bom Presidente…Porquê, Marcelo, porquê? Às vezes, até acontece o impossível – termos saudades do Presidente Cavaco Silva…