A central nuclear de Almaraz, na província espanhola de Cáceres, já conta com cinco anos de atividade a mais do que era previsto, uma vez que o tempo de vida de uma construção do género é de 30 anos – data que se assinalou em maio de 2011. No entanto, um ano antes de atingir este limite temporal foi dada permissão por parte do Conselho de Segurança Nuclear (entidade que avalia as centrais nucleares) para que continuasse ativa até 2020.
É exatamente contra este prolongamento que lutam dezenas de associações ambientalistas, tanto de Portugal como de Espanha, apresentando como bandeira as possíveis falhas de segurança que podem advir da insistência em manter a central em funcionamento. O expoente máximo desse descontentamento aconteceu em junho, quando mais de 500 portugueses participaram na manifestação ibérica pelo encerramento da central de Almaraz que, apesar de estar em território espanhol – na Estremadura – fica à beira- -Tejo e a cem quilómetros da fronteira portuguesa.
Para os ambientalistas, o argumento relativo à necessidade energética já não é válido. Segundo a Greenpeace, apesar de as centrais nucleares espanholas representarem cerca de 20% da procura elétrica do país, facilmente poderiam ser desligadas e substituídas por energias renováveis. Além disso, um relatório divulgado pouco depois do acidente de Fukushima dava conta de pelo menos 4 mil modificações feitas na central desde a sua inauguração, em 1981, e nos últimos nove anos, a central notificou o CSN em 87 ocasiões. Nestes relatórios foram apresentadas perdas de capacidade de comunicação com o apoio técnico e comissão de rondas de vigilância. No entanto, estas são falhas que, segundo a Escala Internacional de Acidentes Nucleares, que vai até ao número sete, não ultrapassam o nível zero.
Governo português reage A decisão de prolongar ou não a atividade da central acabou por ser adiada até às eleições espanholas e, mais recentemente, parece ter ganho força a continuidade, com a proposta de criação de um armazém de resíduos nucleares no local. Os ambientalistas encaram esta medida como uma certeza de que o espaço vai continuar ativo.
Em junho, o ministro do Ambiente português, quando confrontado pela ala esquerda sobre a posição nacional face ao prolongamento do prazo de atividade da central, não se alongou em comentários. “Cabe a Espanha tomar decisões. Não estamos a fazer nada no sentido de pressionar para o encerramento de Almaraz”, disse Matos Fernandes. Cinco meses depois, a versão oficial é diferente.
Em resposta enviada ontem ao i, o ministério garante que já solicitou “a não emissão da licença de construção do armazém de resíduos nucleares” e aguarda agora resposta espanhola para posteriores desenvolvimentos.
O período de discussão pública do projeto ocorreu no início de outubro do ano passado e Portugal não participou. “Na altura, não fui eu quem fez de morto”, respondeu o ministro aquando das críticas da bancada social-democrata. Entretanto, João Matos Fernandes escreveu à ministra do Ambiente espanhola a solicitar mais dados e a resposta chegou dia 11 de novembro.
Segundo explicações do ministério ao i, os dados foram analisados pela Agência Portuguesa do Ambiente, que desenvolveu um relatório, já entregue ao governo de Madrid, no qual conclui que “não se pode assumir a inexistência de impactos ambientais transfronteiriços que, aliás, nem parecem ter sido estudados”. No dia 1 de dezembro, o ministro solicitou nova reunião com o homólogo espanhol e pediu a não emissão de licença de construção do armazém de resíduos nucleares.
Bomba-relógio João Branco, presidente da Quercus, acredita que a construção deste armazém vem prolongar a vida de uma central que já devia estar fechada. “É uma autêntica bomba-relógio”, diz, apresentando como justificação todas as falhas de segurança referidas em relatórios anteriores.
Para este responsável de uma das entidades presentes na manifestação de junho e membro do movimento ibérico antinuclear, o governo “menosprezou” o problema. “Quando, numa primeira fase, o ministro se descartou de responsabilidades, abriu portas à construção deste armazém”, salienta. Apesar de considerar que o governo está agora “mais sensibilizado” para o tema, João teme que esse esforço peque por tardio.
Já Nuno Sequeira – antigo presidente da Quercus e o membro desta associação que tem acompanhado o caso mais de perto – assegura que a via judicial é uma das hipóteses em cima da mesa. “Sozinha ou em conjunto com outras associações, a Quercus pode mesmo avançar com uma ação judicial caso a decisão espanhola confirme a criação do armazém de resíduos nucleares.”