O candidato a bastonário dos médicos não esconde preocupação com o orçamento da Saúde para o próximo ano. Miguel Guimarães, urologista no Hospital de São João e presidente da secção regional do norte da Ordem dos Médicos, candidata-se ao cargo com a “pedalada de Marcelo”. Auditorias aos hospitais e definição dos tempos mínimos por consulta são algumas das propostas. Recusa tecer comentários sobre os adversários, mas assume a divergência com alguns pontos de vista de Álvaro Beleza, que considera estar a falar mais para a sociedade civil do que para os médicos.
Nos últimos dias foram feitos os juramentos de Hipócrates dos novos médicos. Lembra-se do seu juramento?
Claro, é uma cerimónia inesquecível.
Como era o jovem Miguel Guimarães?
Estudava quando tinha de estudar e isso é o conselho que tento dar aos jovens: temos de nos aplicar e ter responsabilidade, mas não podemos deixar de fazer as coisas normais em cada fase da vida: sair, beber um copo, ir à praia, viajar.
Teve uma vida associativa ainda na faculdade?
Fiz parte da associação de estudantes, depois estive na criação da associação de jovens médicos, fui treinador da equipa de voleibol feminino da faculdade, praticava ténis de mesa. Nunca estive só fixado nos estudos, nem mesmo quando chegou a altura do exame de acesso à especialidade – e na altura já éramos mais candidatos do que as vagas.
Emigravam?
Menos. Éramos muito ligados à terra, os jovens, hoje, não têm barreiras. Saindo os mais qualificados, e aliado a isto o baixo índice de natalidade do país, estamos a entrar numa espiral preocupante.
Como se estanca essa sangria, para usar o termo que Constantino Sakellarides introduziu este verão?
De facto, é uma sangria. No caso dos médicos tem duas vertentes: uns têm optado por emigrar, outros por trabalhar só no privado. As condições são muito diferentes. Não falo apenas de remunerações, embora não as possamos ignorar: um jovem médico ganha 1200 euros por mês no SNS e 5 mil euros em Londres. Se só por aqui já podiam optar, há mais diferenças, a começar pelo respeito pelos profissionais.
Abalado em Portugal?
Basta ver como o Ministério da Saúde tratou os médicos nos últimos anos. No tempo do dr. Paulo Macedo, os médicos foram o bode expiatório do sistema. Mas temos outros problemas que persistem e tornam as condições do SNS menos atrativas: há falta de condições de trabalho e o número de equipamentos “fora do prazo” nos hospitais é excessivo.
A tutela está a fazer esse levantamento. Tem ideia da dimensão do problema?
Os equipamentos de radioterapia, de TAC, de ressonância, de medicina de reabilitação na maioria dos hospitais estão completamente ultrapassados. Claro que há hospitais que foram investindo, como o IPO do Porto, mas imagine o que é um hospital central não ter uma TAC de última geração.
Qual é o impacto?
Por um lado, a imagem não é a melhor, mas a da geração anterior. Mas os novos equipamentos também emitem menos radiação, o que é importante. Está provado que a dose de radiação para quem faz mais de uma ou duas aumenta a probabilidade de desenvolver um cancro. Não digo que devíamos logo substituir todos os equipamentos mas, pelo menos, todos os hospitais deviam ter um destes novos aparelhos para os doentes com mais risco ou que, pela sua doença, fazem mais exames. Isto, além de ser mau para os doentes, desmotiva os médicos, que não conseguem usar o melhor estado da arte. Se acrescentar a isto que lá fora oferecem mais dias de férias e até melhores condições físicas de trabalho, tudo pesa. Enquanto candidato tenho visitado serviços por todo o país e tenho visto coisas inacreditáveis.
Por exemplo?
O Centro de Saúde Fernão de Magalhães, no coração de Coimbra, é um atentado. Se há um incêndio, aquelas pessoas morrem todas. A estrutura física está degradada, as janelas, além de pequenas, têm grades.
Como se chega a esse ponto? Ouve-se por vezes o argumento de que os políticos não usam o SNS, falta contacto real. Quando um político vai ao SNS tem um tratamento completamente diferente. É uma figura conhecida, tem logo um tratamento vip, digo um político ou uma pessoa do espetáculo.
Ou o amigo de um médico.
Também. O ministro que faça uma visita-surpresa ao serviço de urgência do hospital do Funchal ou do hospital de Gaia. É um caos, não consegue passar entre as macas.
É uma ideia para Adalberto Campos Fernandes?
Claro. Já recebi visitas programadas no hospital e sei como é. Recebemos instruções para dar alta, para mandar os doentes para o internamento, para o serviço de urgência estar mais ou menos limpo.
Se for eleito vai fazer visitas-surpresa?
Vou fazer auditorias a todas as unidades, um levantamento real das deficiências em capital humano e condições físicas.
Temos ou não falta de médicos no país?
Temos mais de 45 mil médicos inscritos na ordem. Pelos números que a OCDE divulgou recentemente, temos 4,4 médicos por mil habitantes, somos o país com mais médicos. No SNS temos 26 mil médicos, mais de 9 mil em formação, o que significa 18 mil especialistas. Portanto, temos médicos suficientes para garantir as necessidades, não estão é no SNS.
Seria possível garantir hoje médico de família a todos os portugueses?
Sim, se todos os médicos de família ficassem em Portugal. E aí é que está o problema. Porque é que não ficam? O ministério não os quer contratar? Quer, mas eles mesmo assim saem para o privado ou optam por emigrar?
Qual é a resposta?
Um misto. Mas, provavelmente, se eu dissesse ao ministro “tenho aqui mil médicos”, ele contratava 300, mas o resto não podia porque não há dinheiro.
Não é também porque não querem ir para o interior?
Não é fácil para um médico que se forme em Lisboa ou no Porto ir por iniciativa própria para uma zona carenciada, deixando o círculo de amigos e família. Ou existe motivação para ir ou, se houver outras opções, não vai. Um médico no Porto, se for trabalhar para Vila Real, tem de ir e vir todos os dias de carro; significa que o vencimento, já de si medíocre, é reduzido numa percentagem significativa.
Com os professores acontece isso. Porque hão de ter os médicos tratamento diferente?
Não têm um tratamento diferente.
Está anunciado mais um pacote de incentivos, com um acréscimo de remuneração de 40%, mil euros/mês.
Os incentivos existem a vários níveis e concordo que têm de ser para a sociedade, não pode haver incentivos específicos para médicos. Se há uma região que se quer desenvolver, não basta fornecer cuidados de saúde, é preciso um bocado de tudo: mais cultura, mais ensino, mais saúde.
No pacote de incentivos lançado por Paulo Macedo havia mais dois dias de férias, o que agora a tutela vai repetir.
Um ou dois dias é brincar com as pessoas. Mais 30% de férias talvez fosse atrativo. Basta explorar o que foi feito no Canadá. Porque não reduzir os impostos por um período de cinco anos, para os médicos ou qualquer pessoa que se fixe, sem ter de aumentar o vencimento-base? Teria de ser estudado, mas que paguem menos ou 30% ou 40%. E mais: é preciso garantir que os médicos têm acesso a formação contínua, o que hoje não acontece a menos que paguem do seu bolso.
Não é apoiada pelas farmacêuticas?
Cada vez menos. A formação que depende da indústria está em vias de extinção e, a partir de 2018, a indústria ficará impedida de apoiar diretamente os médicos.
As farmacêuticas deixam de poder levar médicos a congressos?
É uma decisão do Conselho Europeu. Cada Estado vai ter de fazer a sua regulação. Poderão financiar serviços, mas deixam de apoiar médicos diretamente. Mas, hoje, o apoio para formação já é algo tão residual que o impacto nos internos é grande. Uma das medidas que proponho é a criação de uma bolsa de apoio à formação especializada com parte das quotas dos médicos e, por outro lado, que o Estado comece a contribuir – o que hoje não faz. O empregador tem de assegurar formação. As retribuições da indústria farmacêutica aos hospitais e centros de saúde quando participam em ensaios clínicos deviam ser usadas pelo ministério na formação e investigação médica.
Neste novo pacote de incentivos haverá mais tempo para investigação. Isso já está na legislação das carreiras médicas. O ministro tem é de dizer para aplicar a lei. É como o descanso compensatório com prejuízo de horário. Está nas portarias, são feitos alertas, mas há hospitais que cumprem e outros não.
É descanso em que os médicos recebem como se estivessem a trabalhar?
É uma questão de segurança clínica.
O tempo não é pago ou as pessoas não podem ficar em casa?
Nuns casos, as pessoas têm de ir trabalhar. Ou então fazem de maneira a não terem horário no dia seguinte e não recebem, violando a lei. Passa-se o mesmo com a regra de os internos não poderem fazer turnos de 24 horas. Uns hospitais cumprem e outros não. O ministério sabe e nada faz porque lhe dá jeito. Tem falta de gente e não quer pagar mais.
É a pescadinha de rabo na boca do SNS?
Sim, o SNS está numa situação crítica. E daí a proposta de fazer um levantamento hospital a hospital. Dá trabalho mas tem de ser feito, por diferentes motivos. Por um lado, para zelar pela qualidade da medicina e, depois, por ser a única forma de assegurar formação. Só percebendo as necessidades e fazendo o que é preciso para assegurar que os serviços têm dotação suficiente de pessoal para ter idoneidade é que podemos aumentar vagas. E isto também é crucial para a questão das zonas carenciadas de que falávamos: se investirmos em Vila Real, é possível formar lá internos, o que aumenta as hipóteses de quererem ficar.
A exclusividade dos médicos seria uma medida importante?
A exclusividade obrigatória é uma aberração nas atuais circunstâncias. A possibilidade de dedicação exclusiva, penso que podia ser interessante.
O seu antigo presidente no São João, António Ferreira, defendia a exclusividade como forma de aumentar a produtividade no Estado.
Não concordo. Os médicos que têm dedicação exclusiva têm um horário de trabalho igual aos outros: 40 horas. A diferença é que, se for necessário uma urgência ou horas extra, estão mais vocacionados para isso. A forma de pôr o SNS a produzir mais é contratando mais pessoas.
Denuncia na sua campanha “imposições absurdas do poder político na relação médico-doente”.
Para mim é talvez a questão principal. Quando o ministro da Saúde, qualquer ministro, vem anunciar que as consultas e cirurgias aumentaram, falta saber é se os tratamentos melhoraram, se as complicações diminuíram. Estes indicadores não existem. Há aquela ideia de que é preciso centrar a saúde no doente. Como se faz isto? Dando informação ao doente. Devia começar-se por definir as principais patologias e apresentar os resultados por hospital – também para os hospitais privados, que não podem estar em roda livre.
O ministério atual, como o anterior, diz que nunca houve tanta transparência.
Faz sentido divulgar a atividade, os números, falta começar a falar dos resultados.
Em Inglaterra avançaram com o ranking de mortalidade por cirurgião.
Isso é a fase final do processo.
Os médicos não iriam opor-se?
Quando se vai analisar os dados por médico, o assunto torna-se complexo. Há médicos que selecionam os doentes.
Para terem melhores resultados?
Sim. Há cirurgiões no nosso país conhecidos por isso, figuras públicas. Isto, em Inglaterra, é claro: grandes fumadores, pessoas com excesso de peso, a maior parte dos cirurgiões não opera. Há vários fatores que podem afetar negativamente o tratamento e, se introduzirmos um ranking, podemos estar a levar os médicos a criarem o mecanismo de defesa de não inscreverem os doentes mais graves para serem tratados. Devemos começar por serviço e, daqui a uns anos, pensar médico a médico.
Voltando às imposições absurdas, em que se sentem?
Nos tais indicadores do acesso e na pressão que isso gera. Os hospitais têm pouca gente e para tentarmos dar resposta, nomeadamente aos doentes oncológicos, acabamos por ter consultas com muito mais doentes do que devíamos e menos tempo. Para melhorar a qualidade do ato médico é preciso definir o tempo da consulta.
O que tencionam fazer?
Temos de pensar as diferentes dimensões. O tempo de comunicação com o doente, o tempo para lidar com o sistema informático, que nem sempre funciona bem e tem um grau de complexidade enorme – há umas dez aplicações diferentes que não estão interligadas. É preciso ainda tempo para tirar dúvidas: os médicos não são um computador. Antigamente tínhamos o simpósio terapêutico, hoje temos a internet, mas às vezes é preciso ligar a um colega. Finalmente, é preciso tempo para explicar ao doente o que vamos fazer.
Qual é o tempo ideal?
Terá de ser definido pelos colégios de especialidade. Uma especialidade como psiquiatria precisa de um tempo maior, outras terão um tempo menor, mas, se calhar, o tempo mais curto serão 30 minutos. Não podemos continuar a ter consultas marcadas de 15 em 15 minutos, nem 12 ou sete.
Os médicos estão a trabalhar para além do limite, é uma situação insustentável e tem de parar, também pelo risco. Depois, quem faz as capas dos jornais quando acontece alguma coisa errada, por deficiência do sistema, são os médicos, como se fossem a ovelha negra.
Diz que isso foi comum no anterior governo. Pensa que foi deliberado?
Não sei, só sei que a ordem, como garante da medicina, tem obrigação de defender os médicos dos sistemas informáticos disfuncionais, das más condições, dos ataques injustos da comunicação social.
Falava da imagem dos médicos. Porque acha que persiste a ideia de classe privilegiada que se move pelo dinheiro?
Os médicos não se movem por dinheiro, senão o SNS já teria colapsado. Os vencimentos dos médicos deviam ser amplamente divulgados. Claro que há um ou outro com ordenados fantásticos, mas o médico normal – 97% dos médicos – tem um ordenado relativamente miserável para o que são as suas responsabilidades.
Mas superior ao da maioria.
Temos um fundo de solidariedade que apoia mais de 400 médicos. E quem define as necessidades é a Segurança Social. Um médico normal tem um vencimento que não é compatível com a responsabilidade que tem. Como se avalia a responsabilidade? Pela responsabilidade civil que a pessoa tem ao cometer um erro, que já nem tem de ser um erro: há médicos condenados a indemnizar doentes por complicações que eram expectáveis. Já há jurisprudência nesse sentido.
A ordem tem apelado à redução das vagas para Medicina, assim como a Associação Nacional de Estudantes de Medicina . Porque não diminuem?
Dão votos. Medicina ainda é vista como um curso que muita gente quer tirar, quanto mais vagas melhor. É um erro político.
A ordem chegou a fazer um pedido de audição ao governo. Teve resposta?
Crato não nos recebeu, o atual ministro também não. Já o desafiei a ir ver as aulas do 6.o ano, isto é que devia ser filmado.
O bastonário diz que, qualquer dia, os internos são tantos que têm de operar- -se uns aos outros para treinar.
Disse isso como piada, mas a maximização das capacidades de formação pode estar interferir com a qualidade.
Não há um aumento significativo no orçamento da Saúde. Como vê 2017?
Com preocupação. Não acredito que, com este orçamento, os verdadeiros problemas do SNS sejam resolvidos. Estamos a falar de pequenos e grandes hospitais no limite, como o São João ou o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
Em Coimbra demitiu-se o diretor do serviço de imagiologia.
No lugar dele teria feito o mesmo .
Não será uma decisão fácil, pode passar uma mensagem alarmista. Embora ele não tenha feito declarações alarmistas, mas é um sinal importante. Como aconteceu em Vila Real, quando os assessores do diretor clínico se demitiram.
Aconteceu também na passada legislatura no São João, com a demissão dos diretores de serviço.
Foi uma pressão pública que funcionou.
Houve uma altura em que parecia a única forma de desbloquear assuntos pendentes. Estamos a regressar aí?
No São João conseguiu-se contratar os profissionais, o que só prova que existem pessoas para contratar. Não entrando em situações particulares, o que digo é que para renovar equipamentos e estruturas são precisas centenas de milhões. Só no São João, passar as instalações da pediatria, que estão em contentores cá fora, para a estrutura física do hospital, são vários milhões. Mas não podemos continuar a ter crianças e médicos a andar de um lado para o outro, faça chuva ou sol.
Sente que o SNS está a ficar um sistema para pobres, desnatado?
Se continuar assim, sim. Sempre que oiço alguém com responsabilidades políticas dizer que o SNS é a maior conquista da democracia ou que temos de parar com a política hospitalocêntrica, sei que vão acabar a fazer o mesmo. Nos últimos cinco anos houve um total desinvestimento e isso não foi ainda invertido. O ministro Paulo Macedo fez uma coisa que Adalberto Campos Fernandes tem continuado: concentrar a medicina cada vez mais nos grandes hospitais públicos e privados.
Nos hospitais privados?
O SNS continua a recorrer muito a hospitais privados.
A tutela quer internalizar a resposta.
No São João, a maior parte dos exames, mais de 50%, vêm do exterior. Acho bem que queira internalizar, mas só é realista com investimento.
Está desiludido com o ministro?
O prof. Adalberto Campos Fernandes conhece bem os dossiês. Acho que tem uma ideia exata do que está a acontecer, não está é a ter capacidade política para impor a sua visão dentro do governo. O SNS está a perder qualidade e é um serviço relativamente barato. Se não investirmos, começa a apagar-se devagarinho.
Está mais em risco do que durante o programa da troika?
Está. Não houve reformas de fundo. O problema é que não há reforma sem investimento e, por isso, raramente há reformas.
Agora há o novo conceito do reformismo incremental, introduzido pelo Presidente da República.
Marcelo é uma pessoa muita inteligente e está a dar dicas ao governo. Na Saúde ainda não tem havido mudanças significativas. Este ministro tem um ano de governação. Sei que não se pode avaliar um ministro por um ano, pode fazer muito nos três anos que faltam. Os sinais iniciais foram positivos, com o discurso afável que colocava em primeiro lugar os doentes e os profissionais. Foi uma opção inteligente mas, na prática, as pessoas começam a sentir que as coisas não estão muito diferentes. Os sítios que tinham mais problemas continuam a ter. E sítios que não tinham passaram a ter. O que é prejudicado são os equipamentos, duram sempre mais um bocadinho. É como os iogurtes. Mas quando se começa a chegar a um ponto-limite, a importância dos equipamentos de imagem para detetar metástases ou a radiação devem fazer-nos pensar.
Pode haver cancros por despistar por se usarem equipamentos obsoletos?
Não posso fazer essa afirmação porque seria uma afirmação pública alarmista, mas tenho sempre a preocupação de que o facto de os equipamentos estarem de alguma forma ultrapassados pode não ser o melhor para os seus objetivos.
O que dizem as sondagens da ordem? Quem vai à frente?
Não faço ideia.
A visibilidade política de Álvaro Beleza é relevante nestas eleições?
É, mas depende de como os médicos virem essa circunstância. Eu tenho uma visão diferente para a ordem daquela que o dr. Álvaro Beleza tem, não querendo falar dele e dos outros candidatos. Mas não posso esquecer que deu entrevistas em que disse que os médicos eram uns privilegiados, o que é absolutamente falso.
Porque acha que diz isso?
Não sei. Ele responde: acha que os médicos ganham muito bem.
As pessoas vão acreditar mais facilmente nele.
A sociedade civil, sim; os médicos, não. A questão é essa: parece que está a fazer um discurso para a sociedade civil, e não para os médicos. É como quando disse em entrevistas que a ordem não tem de defender os médicos. A principal missão da ordem é defender as boas práticas, penalizar os médicos que têm más práticas, zelar pela qualidade, mas também é defender os médicos quando são maltratados.
Dois terços dos médicos com burnout é resultado desse mau tratamento?
Também. Nós investimos nesse estudo, mas esse investimento não chega. Temos de perceber as causas, intervir junto da tutela, mas vamos ter de ajudar os médicos a recuperar de situações mais graves.
Se for eleito, vai ser um bastonário enérgico como José Manuel Silva?
Estou a candidatar-me a ter a pedalada de Marcelo. Os médicos conhecem-me. Impedimos a abertura de novos cursos de Medicina, lançámos as preocupações com o serviço de urgências apelando a uma reforma profunda, que não aconteceu, o que faz com que continue a haver cuidados primários deficitários e urgências cheias de situações não urgentes. Vou agora visitar os serviços de urgência e sabemos que há dificuldades.
Está preocupado com o inverno?
Sabemos que isto vai acontecer há um ano, toda a gente sabe. A gripe é uma situação normal, expectável.
Qual é a parte do juramento mais difícil de manter?
No discurso que fiz aos jovens médicos no Porto disse-lhes que vão ser os primeiros defensores da ética e dos doentes. É muito fácil uma pessoa calar-se. Muitas das coisas más que acontecem na sociedade – não falo só da medicina – resultam de vivermos com medo e de não denunciarmos. As pessoas não podem ter medo. E temos de ser médicos sem medo.
Se for eleito, vai continuar a exercer?
Pelo menos um dia por semana a título gracioso, se me deixarem.