É um facto que os ingleses são mais giros a inventar palavras para descrevermos coisas que sentimos e que mais facilmente definimos como “aquela coisa”.
A palavra mais recente que aprendi foi “ghosting”, nas suas diferentes declinações. “To be ghosted” é uma coisa chata no mundo anglo-saxónico. Em Portugal pode ser traduzido como “aquele gajo foi jantar comigo com boas intenções e depois bazou”. É muito difícil explicar coisas em português. Também não temos a palavra “date” – um encontro com objetivos de eventual relação sexual/amorosa/nada se a coisa não pegar. No Reino Unido e na América as pessoas têm “dates”. Aqui não há disso. Ir jantar ou ir beber um copo não é bem a mesma coisa, nem sequer os seus objetivos são devidamente clarificados como na singela palavra “date” que significa encontro, mas que tem associada uma carga simbólica que nós temos vergonha de associar. A vantagem dos anglo-saxónicos é que dão nomes às coisas. Nós ficamos a navegar nos implícitos e a linguagem dos implícitos é terrivelmente mais complicada.
A Vanessa veio-me falar de um artigo que tinha lido sobre o “ghosted” e o “unghosted”. Não sei bem como se traduz em português, mas “ghosted” significa qualquer coisa como levar com os pés – uma expressão que não é bonita, o ato também não – depois de um encontro. Literalmente, pode querer dizer que depois de um encontro com o mínimo de interesse sexual/amoroso/qualquer coisa entre isso, alguém fez de nós um fantasma. Desapareceu. Bazou. Nunca mais deu notícias. Uma coisa que já nos aconteceu a todos – desaparecer de motu proprio ou levar com os pés.
A questão que a Vanessa me vinha colocar era que no artigo que tinha lido, de uma revista inglesa que ela não fixou o nome porque leu no Facebook, colocava-se a questão do “unghosted”. Ou seja, o que fazer aos gajos que desapareceram, que nos “fantasmizaram” e meses (ou anos) depois resolvem mandar uma mensagem com intuitos daqueles que já falámos antes.
– Achas que devemos aceitar ser “unghosted”?, perguntou-me a Vanessa.
– Oh pá, sei lá – respondi eu que estava com os olhos pregados na televisão a ver o Rei Filipe de Espanha e a pensar que a idade e o cargo não lhe tinham retirados os atributos sedutores do príncipe Filipe. E também a fantasiar que devia ser eu que devia ter estado na Galiza a cobrir miseravelmente para a TVE o naufrágio do Prestige, em vez da Letizia. Conseguimos pensar imensas coisas parvas, se nos deixarmos ir. Eu estava ao ponto de começar a defender uma dinastia filipina atualizada provando que a atração sexual é o maior inimigo de um debate decente e racional.
A Vanessa não me deixou continuar concentrada nos meus pensamentos parvos. Queria à viva força que eu me concentrasse nos pensamentos parvos dela.
– Se alguém que nos deu com os pés decidir voltar uns tempos depois é correto aceitarmos? Não é uma grande humilhação com tudo para correr mal? Ou seja, depois de sermos vítimas de “ghosting”, devemos aceitar ser “unghosted”?
Eu só pensava que se Filipe de Espanha me tivesse dados com os pés e uns tempos depois quisesse voltar eu aceitaria de imediato.
– Se for o Filipe de Espanha acho que devemos dizer que sim. Aceitar ser “unghosted”.
– Estás a defender a monarquia?
– Não, bolas. Só estou a defender que tudo depende do grau da coisa. Em geral não se deve voltar a lado nenhum, a menos que se trate de alguém como Filipe de Espanha.
– E então o que é que eu faço com o Zé Manel que me deu com os pés e agora voltou?
– Ignora. É para correr mal. E não é o Filipe.