O irmão, também músico, costuma dizer que ela é “o oposto do estereótipo do músico”. Luísa Sobral não refuta. Bem pelo contrário. A autora e cantora, que acaba de lançar o seu quarto trabalho, reconhece que foi sempre uma espécie de freak da organização, característica que não combina particularmente com uma carreira na música. Por isso, quando há seis meses foi mãe pela primeira vez, não apenas descobriu as maravilhas de ter um filho, como percebeu o que pode ser bom na falta de ordem. É esta Luísa, simplesmente, sem o Sobral, que se apresente no álbum “Luísa”, também sem apelido, nome próprio que é tudo o que é verdade na música de 29 anos.
Este álbum arranca com “Alone”, que é um tema sobre passar pela vida sozinha, mas acabou de ser mãe…
Pois, só que escrevi tudo antes de engravidar. Mas gravei grávida e acho que isso me ajudou porque as emoções foram vividas mais intensamente, até porque as hormonas estão mais desorganizadas.
Ainda assim, este disco tem uma grande carga melancólica.
Sim, mas eu acho a melancolia um sentimento bonito. Mas não tenho dúvidas que cantei estas canções no disco de uma maneira e em palco vou cantá-las de maneira diferente.
Até porque dificilmente haverá algo mais transformador para a vida de uma mulher do que a maternidade.
Eu senti a mudança, não logo durante a gravidez, mas quando o Zé nasceu. Sou um bocado racional e não sou pessoa de me descontrolar. Mas depois de ele nascer aconteceu-me deixar-me levar mais pelas emoções. A cantar e não só. Talvez tenha a ver com a falta de sono.
É curioso dizer que é muito racional porque a sua voz remete sempre para um certo universo de fragilidade, que associamos pouco à racionalidade.
Acho que a arte é uma forma de nos equilibrarmos. O meu irmão, que também é cantor, diz-me imensas vezes que eu sou o oposto do estereótipo do músico. Ele diz isto porque eu sou aquela pessoa que tem sempre a vida toda organizada. Ajudou-me muito ser mãe, porque veio desorganizar a minha vida de uma maneira saudável para mim. Às vezes sou demasiado freak da organização, mas foi bom perceber que a vida também é encantadora quando não está organizada. A música tem isto: quando canto, quando toco, quando componho, não sou essa pessoa tão racional e metódica. A música equilibra-me.
Neste álbum há uma certa ‘desorganização’ em termos de línguas: canta em português, inglês e até em francês.
O português, claro, é a minha língua mãe. O inglês é a minha segunda língua, vivi muitos anos nos Estados Unidos, a maior parte dos meus ídolos são anglo-saxónicos e sinto-me confortável a escrever e a cantar em inglês. Depois tenho um tema em francês porque vivi uns tempos em Paris.
Porquê?
Estava na minha bucket list viver em Paris e quando pude fui para lá dois meses. Não tinha nada que me prendesse aqui. Não tinha concertos marcados e estava num período estranho porque não sabia onde é que queria estar. Vivi muitos anos fora, depois voltei para cá e estava contente, mas há três anos comecei a pensar se estaria mesmo feliz em Portugal, se não deveria voltar a viver fora…
Mas o que fez durante os dois meses que esteve em Paris? Vida de turista?
Fui ver todas as exposições que pude. E passava os dias a experimentar a doçaria francesa. A coisa boa é que estava a viver num sexto andar sem elevador. E todas as noites ia a concertos ou a jam sessions de jazz, world music, pop… Foi nesse período que escrevi aquela canção [“Je T’Adore”]. Este disco, e é por isso que se chama “Luísa”, é mais sobre mim. Não tive tanto medo de falar do amor como sendo uma coisa boa. Antes achava que falar sobre o lado bom do amor não tinha muito sumo, mas isto é uma estupidez. Falar do lado bom e do lado simples e naïf do amor também é bom. Por que é que não é bonito dizer algo tão simples como “gosto tanto de ti”? O “Je T’Adore” é isso. Além de que o meu francês não é fluente por isso, se queria fazer uma música em francês, tinha de ser com o mínimo de palavras possível. Às vezes não são precisas muitas palavras.
O que a fez deixar Paris e regressar a Portugal?
Adorei viver em Paris, mas acabei por perceber que não podia continuar com a vida de turista que estava a ter. Para já porque era caríssimo. E depois porque comecei a ficar parisiense. Lá temos duas opções: ou somos enxovalhados ou nos tornamos parisienses.
Da ficha técnica de “Luísa” salta à vista o nome de Joe Henry. Como chegou a ele?
Eu e o meu manager começámos à procura de um produtor para este disco, conscientes que queríamos um som diferente. Achei que fazia sentido arriscar, dentro do meu som, mas arriscar. Por isso queria um produtor que pudesse trazer algo de novo. E encontrámos o Joe. Mandámos-lhe algumas canções do meu segundo disco e, na mesma tarde, recebemos uma resposta do manager dele a dizer: “Ainda não mostrei isto ao Joe, mas acho que ele vai adorar.” No dia seguinte o Joe disse que queria trabalhar comigo. A partir daqui, o mérito é todo dele e acho que o maior trabalho dele foi mesmo a escolha dos músicos. Ele é um tipo de produtor que escolhe músicos por serem artistas, por terem alguma coisa a dizer e depois dá-lhes espaço. Para mim isto foi o mais mágico deste disco: cheguei ao estúdio e estava um grupo de músicos com currículos incríveis, todos super humildes.
Apesar dessa humildade, não sentiu os nervos de estar a trabalhar com músicos de exceção?
Quando ele me deu os nomes, não fui investigar quem eram e por isso não sabia os currículos deles. Além disto, acho que, quando estamos num estúdio, somos todos músicos. Claro que, quando começo a ouvir algumas conversas, eram coisas do género “o Tom fez isto” – e era o Tom Waits; “o Bob não sei quê” – e era o Bob Dylan… Até mandei um vídeo ao meu pai com o Bob Dylan a atuar na Casa Branca com o pianista que estava a tocar comigo. O meu pai, que é um grande fã do Bob Dylan, nem queria acreditar! Mas ainda assim eram todos muito humildes.
Como foi o processo?
Eu tocava a música para eles com a minha guitarra e depois cada um ia para a sua cabina e tocávamos juntos. E o mais incrível é que casou tudo tão bem, eles são músicos tão espetaculares, que não repetimos nada muitas vezes. Aliás, até houve uma canção que ficou gravada à primeira. Por isso é que só precisámos de três dias para gravar este disco. Encontrei as minhas almas gémeas musicais, e acho que se ouve na música que foi tudo muito orgânico.
O facto de ter gostado tanto de trabalhar com esta equipa não a deixa preocupada para um próximo trabalho?
Não. Mas percebi que gostei da ideia de sair daqui e trabalhar com um produtor estrangeiro que não conhecia a minha música. Foi a primeira vez que fiz aquela coisa do “chave na mão”. Sou muito controladora e controlava sempre muito os meus discos. Neste não. Além de que não toco nenhum instrumento, o que me permitiu entregar-me mais ao canto.
A passagem por Los Angeles serviu para matar saudades dos EUA?
Eu não gosto nada de Los Angeles, não tem nada a ver com Boston ou Nova Iorque, onde vivi. Por isso não senti nada de regresso ao passado. Há um ou dois anos voltei pela primeira vez aos EUA para ir tocar ao South by Southwest. Aí sim, foi estranho voltar porque já não ia há muitos anos.