“Não quer vir fazer ioga connosco?” Levantamos os olhos do computador e é aí que vemos que ficámos para o fim. Já não há luz, as mesas que tinham estado à nossa frente a tarde inteira desapareceram para dar lugar a um espaço aberto, colchões, uma coluna de som e várias pessoas a postos para o momento zen de fim de dia. E é só aqui que vemos porque durante toda a tarde trabalhámos rodeados de plantas.
Nós e as dezenas de pessoas que já estavam instaladas ao segundo dia de funcionamento do Second Home Lisboa, o novo espaço de cowork que inaugurou ontem no primeiro piso do Mercado da Ribeira, no Cais do Sodré, com espaço para 250 pessoas. E mais de mil plantas e cadeiras de autor e candeeiros vintage escolhidos a dedo, um por um.
Tínhamos chegado de manhã, sentámo-nos para trabalhar depois do almoço e até a luz natural ter desaparecido foi menos que nada. Pelo meio conversámos ao telefone com Rohan Silva na companhia de um daqueles que são vendidos no bar como “os melhores flat whites de Lisboa”.
Foi ele o fundador deste projeto que abriu no final de 2014 o seu primeiro espaço em Londres, numa antiga fábrica que tem cinco vezes o tamanho deste open space que veio dois anos mais tarde encontrar em Lisboa. E foi Lisboa a sua segunda casa, literalmente, contra aquilo que se esperava e conforme explica. “O mais lógico seria que o Second Home tivesse como segunda cidade Nova Iorque ou São Francisco”, diz-nos Rohan, cujo sobrenome se explica pelas raízes no Sri Lanka, país que os seus pais deixaram nos anos 60.
Isso de Nova Iorque ou São Francisco era só o que lhe dizia a lógica, e há vezes em que a lógica pouco importa. Para ele importou até ter visitado Lisboa e percebido que havia uma cidade onde se podia sair e dançar até às 4 da manhã, a mesma que já tinha ouvido descrever como o lugar onde as indústrias criativas borbulhavam.
“Enviei um email aos nossos investidores a dizer que podia parecer uma loucura, mas que estava mesmo fascinado com Lisboa e que achava que era o sítio perfeito para fazermos algo de novo”, recorda. “Foi aí que recebi a resposta de um dos investidores, da Time Out, a dizer que tinham um edifício no Cais do Sodré. A partir daí aconteceu muito rápido.”
A Los Angeles europeia. Para pôr o Second Home Lisboa a funcionar, com todas as plantas e cadeiras e candeeiros que desde o início fizeram parte da imagem de marca do espaço de Londres, onde trabalham 800 pessoas de empresas tão diversas como a marca Ermenegildo Zegna, a Ernst & Young, a plataforma de crowdfunding Kickstarter ou organizações sem fins lucrativos como a Syria Campaign, foi preciso pouco mais de um ano. E a aposta parece ter sido a certa, porque no dia da inauguração e sem recurso a publicidade o Second Home Lisboa tinha já uma taxa de ocupação de 80%. “Tudo o que tivemos que fazer foi tomar café com pessoas”, brinca Rohan.
“E a resposta da comunidade criativa foi incrível. Creio que porque as pessoas perceberam que temos uma preocupação social e que queremos apoiar a criação de emprego e a criatividade em Lisboa. A economia e a sociedade estão a mudar muito rápido, mas as nossas cidades e os edifícios não estão a evoluir de forma a acompanhar isso.
Os edifícios isolam as pessoas e dificultam a criatividade em cidades que estão desenhadas para as grandes empresas, as grandes organizações. Nós não somos uma grande empresa, somos uma pequena equipa que gosta mesmo da vossa cidade.”
O entusiasmo de Rohan com Lisboa sente-se mesmo ao telefone de Londres, de onde descreve uma espécie de Los Angeles europeia como não existe em mais parte nenhuma. “Há tanta coisa a passar-se, é tão entusiasmante. Não só pela presença das indústrias do design, da moda, da tecnologia ou da arte, mas porque estão todas a colidir em Lisboa, é uma cidade tão interligada.
Um bocadinho como Los Angeles nesta convergência. Acho que Lisboa se está a transformar na Los Angeles da Europa, com uma economia criativa que se cruza com um certo estilo de vida.” Los Angeles que, a propósito, será a próxima cidade para onde Rohan tenciona expandir o projeto.
Dividido entre uma zona de postos de trabalho fixos, preparados para acolher mais de 200 pessoas, de freelancers a pequenas empresas – como a Home Lovers, a agência de marketing digital Monday, a EPIC Surf School ou a Collectionair, uma plataforma online dirigida a amantes de arte que permite comprar, vender ou trocar obras de arte com outros membros da comunidade – e outra de lugares móveis, em preços que variam entre os 159 e os 220 euros, a Second Home Lisboa oferece ainda aos membros um espaço de lounge com um bar que serve almoços, pequenos-almoços e bons vinhos, à noite, quatro salas de reuniões e uma biblioteca, fruto de uma parceria com a Penguin Books.
Mas o que inspira aqui, e inspira tanto quanto corta a respiração, são estas mais de mil plantas. “Exigiu-nos um trabalho extra mas vale a pena. Se conseguirmos ajudar as pessoas a serem mais saudáveis e felizes elas serão mais criativas. Essa é a nossa missão e faremos tudo o que pudermos nesse sentido”, diz Rohan, recordando o que já dizia Churchill, que ficará sempre bem a fechar um texto: “We shape our buildings, and afterwards our buildings shape us.”