Aperta o cerco às cesarianas nos hospitais portugueses

Hospitais públicos e privados vão ter de divulgar as taxas de cesariana e os motivos, entre outros indicadores materno- infantis. Tutela justifica nova regra com falta de informação

O que se passa nas maternidades portuguesas? Nascem bebés (poucos, já se sabe), mas o ministério quer aumentar drasticamente a informação. Os hospitais públicos e privados vão passar a ter de comunicar à Direção-Geral da Saúde e à Entidade Reguladora da Saúde (ERS) todas as cesarianas que fazem, qual era a urgência, se houve ou não trabalho de parto e o motivo. A nova regra foi publicada ontem em Diário da República, numa portaria que aumenta o escrutínio dos serviços de obstetrícia e neonatologia do país, em particular no setor privado, que não está incluído na monitorização mensal do SNS.

O ministério reconhece que falta informação e que a elevada taxa de cesarianas no país é uma das preocupações, mas a recolha de dados vai ainda permitir ter indicadores sobre os diferentes tipos de parto no país – “normais” ou com recurso a outros métodos, como fórceps e ventosas -, sobre as mortes de mães e bebés ou lesões associadas. “Mais do que focar-nos nas questões das cesarianas, temos de monitorizar e divulgar um conjunto alargado de indicadores materno-infantis”, justificou ao i o secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Fernando Araújo, que assina a portaria. “O que não pode acontecer é existir uma ausência de dados de algumas unidades que coloca em causa a salvaguarda do direito dos utentes e pode configurar problemas de saúde pública”, sublinha o responsável, revelando que a informação será também disponibilizada ao público no Portal do SNS.

Relatórios semestrais As instituições passarão a ter de apresentar relatórios semestrais e estão sujeitas a contraordenações da ERS caso não o façam. 

O apertar do cerco surge numa altura em que continua a existir uma grande discrepância entre hospitais públicos e privados. Os hospitais do SNS já divulgam mensalmente a taxa de cesarianas, mas em relação ao privado só é possível obter dados globais através do Instituto Nacional de Estatística. Em 2014, último ano com dados comparáveis, nos hospitais públicos, 28% dos partos ocorreram por cesariana, o que contrasta com uma fatia de 64,6% no setor privado e social. A nível nacional, um terço das crianças nascem em blocos operatórios, isto quando a Organização Mundial da Saúde indica que apenas 10% a 15% terão indicação para tal. A última comparação da OCDE, com dados referentes a 2013, revelou que Portugal é o terceiro país europeu com uma taxa mais elevada de cesarianas, só atrás de Hungria e Itália – o dobro da Finlândia, Suécia ou Holanda.

Diogo Ayres de Campos, obstetra à frente da Comissão Nacional para a Redução da Taxa de Cesarianas, considera o novo escrutínio um passo fundamental para se reduzir o recurso indevido a este procedimento. O especialista sublinha que nos hospitais públicos tem havido melhorias, mas o setor privado continua a apresentar taxas demasiado elevadas para o que são as boas práticas. 

As regras estão bem definidas. Em 2015, a DGS definiu dez motivos essenciais que podem justificar a cesariana, como doenças maternas que tenham contraindicação para o parto vaginal (como VIH ou doenças cardiovasculares ou pulmonares graves) ou anomalias fetais. O facto de o trabalho de parto não evoluir é outro motivo, mas excluem-se situações em que as cesarianas são marcadas por conveniência dos médicos ou das mães, o que o médico admite que ainda acontece.

Diogo Ayres de Campos acredita que a sensibilização para os riscos associados às cesarianas sem indicação clínica têm aumentado, mas os últimos estudos reforçam o alerta. Um parto por cesariana está associado a um risco de mortalidade da mãe cinco vezes superior e as complicações para o recém-nascido, por nascer num ambiente assético que parece afetar o desenvolvimento imunitário, incluem maior risco de doenças respiratórias como asma ou mesmo obesidade e diabetes. 

SNS ainda longe das metas A portaria do governo assinala as melhorias registadas no SNS nos últimos anos, como a criação da comissão de redução de cesarianas em 2013 e a introdução, no mesmo ano, de incentivos aos hospitais públicos para diminuírem este tipo de partos. Há três anos que os hospitais centrais, mais diferenciados, têm uma penalização caso excedam uma taxa de 27%. Já os hospitais mais periféricos são penalizados a partir de uma percentagem de 25%. Os hospitais arriscam mesmo perder financiamento quando excedem os valores máximos de referência e não conseguem reduções significativas.

Os últimos dados disponíveis mostram, porém, que ainda há muitos hospitais para lá da linha vermelha. Em setembro, apenas três hospitais tinham uma taxa de cesariana abaixo dos 25%, a meta definida a nível nacional tendo em conta a média europeia. São esses hospitais Loures (19,6%), Viseu (22,5%) e o Hospital de Santa Maria, do Centro Hospitalar Lisboa Norte (24,5%). As maternidades com piores indicadores nesta área pertencem às unidades locais de Saúde do Nordeste (Bragança) e da Guarda, onde quatro em cada dez crianças nascem de cesariana. 

Comparando com os registos de há um ano, metade dos hospitais melhoraram os indicadores, mas a outra metade piorou. 

Diogo Ayres de Campos admite que a evolução não é homogénea mas assinala que, globalmente, tem havido avanços. Nos hospitais mais pequenos, ciclicamente com os piores indicadores, o especialista defende que é preciso reforçar a formação dos profissionais, menos habituados a resolver situações fora do habitual sem o recurso à cesariana. A falta de pessoal nos serviços, com médicos tarefeiros nas urgências, pode também contribuir para um pior desempenho.

A portaria não determina sanções para os hospitais que não cumpram indicadores. Ayres de Campos diz que esse caminho será uma decisão política, não vendo porém vantagens imediatas. O escrutínio público, com as grávidas a poderem conhecerem melhor o desempenho das instituições onde equacionam ter os filhos, será já uma nova forma de pressão. Fernando Araújo concorda. “Preocupa-nos a transparência, o direito à informação a que todos os cidadãos devem poder ter acesso, para além dos próprios profissionais, de forma a poderem fazer escolhas fundamentadas e ser possível, também aqui, o escrutínio da sociedade, o que não acontece atualmente.”