Fiz várias entrevistas, entre as quais ao secretário-geral do MPLA, um tal João Lourenço.
A entrevista teve lugar no seu gabinete na sede do partido, em Luanda, e Bataglia e Câmara e Sousa ficaram cá fora à minha espera.
A dada altura perguntei ao entrevistado se havia racismo no MPLA, ou seja, se os brancos eram discriminados, como se dizia à boca pequena.
Ele respondeu-me indignado, como se eu tivesse feito uma pergunta proibida.
O resto da entrevista decorreu de forma tensa, com o homem a responder às perguntas de um modo perfeitamente estereotipado, recitando a cartilha comunista.
Apesar de saber que ele se formara na Academia Lenine, em Moscovo, a fidelidade cega à doutrina e a própria linguagem impressionaram-me.
Não parecia dizer nada da sua cabeça.
Quando cheguei cá fora, disse aos meus amigos: «Não vou publicar isto. Não tem qualquer interesse».
Bataglia mostrou-se preocupadíssimo, o que percebi: tendo sido ele a combinar a entrevista, como justificaria a não publicação?
Compreendendo o seu embaraço, acabei mesmo por publicá-la, embora numa versão condensada.
Entretanto, não voltei a ouvir falar do homem.
Qual não foi o meu espanto quando, na semana passada, o MPLA escolheu João Lourenço para suceder a José Eduardo dos Santos na presidência de Angola.
Ou o homem evoluiu muito (o que pode acontecer), ou esteve a enganar-me, ou é um factotum.
A força de Eduardo dos Santos vinha do facto de ser o vértice da pirâmide do poder, isto é, todas as fações do partido e os potenciais sucessores reportavam a ele.
Ele estava dentro de tudo e geria os peões e as benesses, as migalhas e os milhões do poder.
Arbitrava as lutas que se travavam abaixo dele.
Ora, quando ele sair, o árbitro desaparece – e os grupos em disputa vão entrar em luta aberta entre si.
O novo líder não terá a mesma capacidade para gerir as tensões e as ambições dos que foram preteridos.
Prevejo tempos muito difíceis para Angola.