Aquilo a que os portugueses chamam destino surge, na maioria das vezes, carregado de ironia. A recente nomeação de Paulo Macedo para conduzir o processo de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (já autorizada pelo Banco Central Europeu) é mais um desses episódios. O agora salvador foi em tempos, não tão longínquos quanto isso, o vilão do governo que rompeu pela primeira vez com a coesão política que sempre existiu à volta do Serviço Nacional de Saúde (SNS), na qualidade de ministro da tutela.
No percurso que o levou de secretário-geral do PS a líder do Governo, António Costa, assim como um número de influentes socialistas, nunca deram muito crédito à atuação de Paulo Macedo como ministro da Saúde, apesar de alguns reconhecerem no agora homem indicado para dirigir a CGD alguns qualidades de liderança e gestão.
Em maio de 2015, em Coimbra, e já num ambiente de pré-campanha para as legislativas de 4 de outubro de 2015 – que Costa viria a perder para a coligação PS/CDS (PàF) – o líder do PS fustigava as opções do Ministério das Saúde de Paulo Macedo.
«Perdeu-se o ideal humanista, duplicaram-se os custos para os portugueses com o duplicar das taxas moderadoras e não se investe em estruturas de apoio aos idosos numa sociedade que envelhece cada vez mais», acusou António Costa na conferência ‘Defender o SNS, Promover a Saúde’.
Os socialistas e Costa criticavam nas políticas de Macedo o aumento das taxas moderadoras e a falta de investimento na Unidades de Saúde Familiar (USF).
Por isso, o candidato a primeiro-ministro prometia, em alternativa à política de Macedo, voltar a dar às taxas moderadoras a função a que se destinavam: «Um instrumento regulador da procura, mas não de duplicação dos custos para os portugueses».
O secretário-geral do PS defendia também, perante os quadros socialistas e o país, o investimento nas Unidades de Saúde Familiar «para evitar a acumulação dos cuidados nos hospitais centrais».
Costa insistia e assegurava que o PS, ao contrário do Governo, estava ali para se bater pelo SNS e pela promoção da saúde. Fosse qual fosse o ângulo de análise das intervenções do líder do PS sobre a política de Saúde do então Governo, Paulo Macedo ficava sempre desfocado na fotografia socialista.
Um mês mais tarde, em junho, num encontro com autarcas de todo o país, também em Coimbra, António Costa comenta também os dados revelados pelo Observatório Nacional da Saúde acerca do estado do setor e volta a falar do «quadro dramático que se vive no setor da Saúde em Portugal».
«Os resultados destes quatro anos têm sido dramáticos e tal como temos defendido é urgente melhorar a acessibilidade dos cidadãos aos serviços de saúde, designadamente através da diminuição do valor das taxas moderadoras, bem como da necessidade de se retomar o programa de expansão das unidades de saúde familiares», atirou na direção de Paulo Macedo.
Sempre que tinha oportunidade, Costa arremessava forte contra a política de Paulo Macedo à frente do Ministério da Saúde.
Para o líder socialista, a rede de cuidados continuados, «outra grande reforma dos últimos anos», tinha sofrido «uma paragem súbita de investimento». O líder da oposição e candidato a primeiro-ministro desancava no ministério de Paulo Macedo, acusando-o de «estar paralisado», por clara «incapacidade da ação governativa».
Todas estas críticas de António Costa para o setor acabaram refletidas no programa de Governo levado a votos em outubro de 2015, redigido sob a responsabilidade do atual primeiro-ministro.
Numa das passagens, o Ministério de Paulo Macedo é particularmente fustigado. «O colapso sentido no acesso às urgências é a marca mais dramática do atual Governo», lia-se.
Para isso, prosseguia, «urge recuperar o funcionamento dos hospitais intervindo a montante, através da criação de mais unidades de saúde familiares e a jusante, na execução do plano de desenvolvimento de cuidados continuados a idosos e a cidadãos em situação de dependência», sendo, por isso «fundamental relançar a reforma dos cuidados de saúde primários e dos cuidados continuados integrados ao mesmo tempo que se deverá concretizar uma reforma hospitalar que aposte no relançamento do SNS».
Por isso, o PS apresentou-se a eleições com a mensagem de que «a política [dos anos de Passos] criou novas formas de desigualdade entre cidadãos no acesso à saúde que urge superar».
Em entrevista ao Público em agosto de 2015, vésperas da campanha eleitoral, Correia de Campos, um dos maiores especialistas do PS em Saúde e antigo ministro do setor (atual presidente do Conselho Económico e Social), admitiu que Paulo Macedo até tinha «preocupações sociais» e tirava-lhe «o chapéu» por ter conseguido promover «a contração da despesa dos medicamentos» e «coragem para imprimir limitações à indústia farmacêutica», mas quando se falava de reforma hospitalar, o ministro «não fez nada», assim como «não fez um ato de gestão capaz».
Já o atual responsável pelo setor, Adalberto Campos Fernandes, em entrevista à revista Tempo Medicina Online, em julho do mesmo ano, não teve dúvidas: o ministro Paulo Macedo perdeu «uma grande oportunidade para concretizar as reformas estruturais e duradouras na Saúde».
Um último pormenor. em maio de 2004, o atual ministro Adjunto, Eduardo Cabrita, referia-se assim no Parlamento ao salário de Paulo Macedo então nomeado Diretor-Geral dos Impostos, uma escolha da ministra das Finanças Manuela Ferreira Leite: «O terceiro director-geral dos impostos foi recrutado num grupo económico privado e irá auferir uma remuneração de 23.340 euros, claramente superior àquela que é devida ao mais alto magistrado da Nação, àquele que representa todos os portugueses, S. Ex.ª o Presidente da República, violando nessa medida a lei que determina, mesmo quando há possibilidade de opção pelo vencimento de origem, a existência de um limite remuneratório do Presidente da República. Esta é a verdade da reforma da Administração Pública da maioria!».