Leio no Diário de Notícias que o PCP vai lançar uma campanha para que Portugal saia do euro. A ideia é suficientemente importante para que lhe dediquemos umas linhas.
A saída do euro teria de ser feita de surpresa, digamos de um domingo para uma segunda-feira. Isto para evitar corridas à banca, com as pessoas a quererem retirar os euros que lá têm para os guardar em casa, assim evitando os efeitos que a desvalorização do novo escudo (chamemos-lhe assim) teria nas suas poupanças. E nenhum banco do mundo aguenta se todos os clientes lhe pedirem o dinheiro que lá têm depositado, ao mesmo tempo. Portanto, para não haver falências em cadeia de bancos, o novo escudo teria de ser introduzido a um fim-de-semana, e sem aviso prévio.
Passando este “detalhe” técnico, passemos às consequências sobre a economia real. O novo escudo desvalorizaria de imediato contra o euro: digamos, por exemplo, 30%. As nossas importações ficariam mais caras, por exemplo com o preço dos combustíveis a disparar em igual medida. Todavia, não no caso dos combustíveis, porque não produzimos petróleo, mas outras empresas nacionais poderiam beneficiar no (pequeno) mercado interno de os seus concorrentes importados terem ficado mais caros.
Quanto às nossas exportações, ficariam mais baratas, o que beneficiaria algumas das nossas empresas. Porquê só algumas, e não todas? Porque podemos dividir as empresas em dois tipos: as “price-takers”, que vendem ao preço que os clientes lhes impõem, e as “price-makers”, que podem fixar os seus próprios preços. Para as price-takers a desvalorização não traria qualquer vantagem de competitividade: passariam a produzir exatamente o mesmo, sendo pagas numa moeda mais fraca (embora tendo alguns custos mais baixos, mas não os combustíveis ou a eletricidade). Já as price-makers teriam vantagens na desvalorização, por poderem vender mais unidades a um preço mais baixo, mas, infelizmente, não há muitas em Portugal (costumam ser empresas grandes, como a Autoeuropa).
E aqui chegamos ao elefante no meio da sala: a dívida. Com a desvalorização do novo escudo, as nossas dívidas, públicas e privadas (a hipoteca da sua casa ou o crédito do seu automóvel, por exemplo) que são quase todas em euros, disparariam de valor, e as taxas de juro cobradas disparariam em flecha. Como não teríamos dinheiro para pagar, seria necessário imediatamente pedir à troika um novo resgate, com todos os sacrifícios que nos seriam novamente impostos. Mas a proposta do PCP prevê a nacionalização total da banca, possivelmente sem indemnizações, como em 1975. Seria muito difícil, se não impossível, conciliar posições. A troika não tem particular apreço por empresas nacionalizadas, sobretudo na banca.
Talvez a longo prazo a desvalorização trouxesse alguns ganhos de competitividade à economia portuguesa. Mas até lá teríamos de trilhar o caminho das pedras, muito possivelmente com mais sacrifícios do que aqueles de que nos livrámos agora, e que não estão totalmente acabados (a taxa de desemprego nos 11% é um exemplo). A estratégia que estamos a tentar seguir agora (produzir bens que possam ser vendidos no mercado internacional, cada vez mais caros e complexos, com maior valor acrescentado, isto no seio de uma moeda forte) também é difícil, mas traz resultados mais sólidos do que uma desvalorização, com o nosso empobrecimento coletivo que provocaria, nos proporcionaria.
Algumas vantagens a longo prazo, incertas (mesmo com a situação estabilizada, as taxas de juro que nos cobrariam seriam bem mais elevadas do que aquelas que pagamos no seio da zona-euro). Como disse Keynes, “a longo prazo estamos todos mortos”. E não admira que esta campanha venha a ser lançada pelo PCP, que quer destruir os nossos laços com o resto da Europa, e para quem “quanto pior, melhor”.
Como a campanha do PCP vai durar todo o primeiro semestre de 2017, é natural que eu volte a escrever sobre este tema. Mas tranquilize-se: nenhum governo no seu perfeito juízo tomará esta medida.