1.Mais um atentado no coração da Europa: desta feita, em Berlim, nos tradicionais (e belíssimos) mercados de Natal. Para nós, este atentado constitui um choque redobrado na medida, em que há poucos dias, estivemos precisamente no local em que ocorreu mais um acto de cobardia miserável e de desumanidade intolerável. O que significa que o terrorismo não é contra a Alemanha, não é contra a França, não é contra a Bélgica: o terrorismo é contra todos nós.
É contra a humanidade. Nem se perca tempo a discutir se o terrorismo poderá ou não chegar a Portugal. O terrorismo também visa Portugal, nem que seja pela circunstância de querer atacar os valores em que acreditamos enquanto comunidade política: os valores da democracia, da liberdade e da tolerância. O valor supremo da dignidade da pessoa humana.
2.Sejamos francos: nós, portugueses e europeus (ou melhor, nós, Humanidade) vivemos tempos de medo, de insegurança, partilhando um sentimento de impotência. Um atentado terrorista poderá ser considerado um acto isolado. Dois atentados terroristas poderão ser considerados como excepções num quadro global de sucesso no combate ao terrorismo. Três atentados, já parece que a situação está descontrolada, mas damos o benefício da dúvida, mais por esperança do que por convicção. Quatro atentados terroristas? Mais de quatro atentados terroristas? Poupem-nos! Há algo que não está certo: está, pelo contrário, deveras errado.
3.Não vale a pena tentar criar ilusões contraproducentes ou persistir em viver em ideias românticas de que o mundo vive em paz e que os nossos Estados têm o problema do terrorismo controlado. Tal não é verdade: infelizmente, não são os terroristas que estão nas mãos do Estado – são os Estados que estão nas mãos dos terroristas.
No dia em que um qualquer terrorista (ou seja, um lunático fanático, despido de qualquer sentimento ou piedade) se lembrar de conduzir um autocarro, um camião ou um qualquer outro veículo ou instrumento para matar arbitrariamente cidadãos de um qualquer país civilizado, fá-lo-á sem dificuldade. Basta lembrar-se, montar um plano – e executar.
4.Basta apanhar um autocarro, matar o motorista e seguir rumo ao grau zero da consciência humana. É pertinente lembrar a pergunta formulada por Primo Levi: se isto é um homem? Parece que não é. Parece que são máquinas brutais de morte, cujo único objectivo é espalhar o terror e derramar sangue. Para quê? Apenas porque sim. Apenas movidas pelo mais puro e irracional fanatismo.
5.E a Europa, está a discutir verdadeira e seriamente o problema do terrorismo? Não está. À boa maneira da União Europeia, relativiza-se, esconde-se, espera-se que os cidadãos esqueçam. Até ao dia em que tudo se repete. Em que há mais vidas ceifadas. Há mais famílias destruídas. Há mais medo entre os europeus. Há mais medo de ser livre. Ao relativizar-se problemas tão sérios e candentes como o terrorismo, os líderes europeus estão apenas a relativizar a liberdade. Ser livre é tão encantador quanto desafiante. Nada se compara à experiência da liberdade – mas para ser verdadeiramente livre é necessária confiança.
Confiança no outro, confiança nas autoridades públicas, confiança nos valores que subjazem à nossa comunidade política. Ou seja: os pressupostos da liberdade estão em causa na União Europeia e no mundo civilizado. Sim, porque os terroristas e todos os que o apoiam não integram o mundo civilizado: são, antes, a negação da civilização. Vivem na e da barbárie.
6.Pois bem, quais foram as reacções ao atentado terrorista de Berlim de ontem? As mesmas de sempre: não confundir radicais islâmicos com islamismo; não fazer deste episódio um drama colectivo, porque por cada atentado que ocorre há um número elevado de atentados que são evitados (como se isto fosse um argumento muito confortador!); as pessoas devem continuar a viver normalmente como se nada se passara (como se isto fosse possível!); não podemos sequer discutir o modelo de liberdade de circulação e de sociedade em que assenta a União Europeia.
Sucede, porém, que o caso de Berlim é um caso diferente: a Alemanha, designadamente a cidade de Berlim, é um modelo de integração de várias culturas e etnias, opondo-se claramente ao caso francês (onde são patentes – hoje, no passado e, se nada mudar, será uma situação explosiva no futuro – as dificuldades de integração dos vários grupos raciais e religiosos).
Donde, o argumento das dificuldades de segregação não explicam o que aconteceu na Alemanha – sendo que Angela Merkel foi a única líder política europeia que converteu a questão dos refugiados numa questão política prioritária…Portanto, não vale a pena repetir o mesmo discurso de sempre: há um problema hoje na Europa que vai muito além das dificuldades de integração…
7.Para terminar o melhor argumento de todos: temos de nos habituar a viver com ataques terroristas como o que sucedeu ontem em Berlim ou em Nice no Verão. Como é? Habituar a viver com o terrorismo como se fosse uma realidade natural? Habituar-nos a assistir, impávidos e serenos, a sucessivos massacres de vidas humanas? Teremos de ceder inevitavelmente à vontade sanguinária dos terroristas? Não, não nos podemos resignar.
É preciso discutir – com racionalidade, seriedade, e não com paixões inúteis ou subserviências ao politicamente correcto – o tema do terrorismo e as medidas que poderemos tomar para o solucionar. A História está connosco – não temos dúvidas de que iremos derrotar o terrorismo e castigar os terroristas como assassinos brutais que são. Iremos ganhar – não temos a menor dúvida. É preciso, no entanto, começar a trabalhar desde já – não percamos mais tempo, senhores políticos!
Não tenhamos dúvidas: se as forças políticas democratas optarem por não enfrentar de frente o problema do terrorismo, propondo soluções eficazes para o vencer – as forças anti-democráticas irão se impor. Há, pois, que optar: preferimos manter o discurso do politicamente correcto, ganhando os concursos de popularidade e lutando por um lugar no pódio da “Miss Universo” – ou, antes, iremos, no quadro do Direito Internacional e das Constituições nacionais, reforçar a autoridade democrática do Estado, agilizar e dar mais operacionalidade às forças de segurança, ser implacável com os desordeiros e as máquinas brutais de morte que são os terroristas? O primeiro caminho levar-nos-á ao precipício, com a ascensão inexorável da extrema-direita; o segundo caminho defenderá a liberdade e defender-nos-á contra os inimigos da liberdade e da dignidade da pessoa humana.
8.Para concluir (por ora), resta-nos dizer que concordamos que este não é um problema religioso: a comunidade muçulmana tem membros tão bons, humanos e meritórios como a comunidade cristã, judaica ou qualquer outra crença religiosa. O problema não é um problema de grupo – mas de pessoas.
Todavia, um primeiro passo relevante para derrotarmos o terrorismo (e ele será implacavelmente derrotado!) seria envolver os muçulmanos moderados e tolerantes, que apreciam a liberdade tanto quanto nós, a condenar veementemente a mensagem de ódio e os actos de terrorismo dos assassinos de Nice, de Paris ou de Bruxelas.
9.É que nós raramente vemos muçulmanos moderados a ter voz na comunicação social condenando e explicando o que está por detrás dos atentados – temos de os chamar, de lhes dar voz para que possam demover e mais rapidamente denunciar os muçulmanos extremistas e desumanos.
É, aliás, inexplicável que raramente vejamos muçulmanos a (moderados) a reagir a tais atentados – o que se deverá, certamente, a uma desatenção, comodismo ou, no máximo, preconceito da comunicação social do politicamente correcto.
Sem os muçulmanos moderados, a nossa vitória será mais complexa. É altura de avançarem (o que farão de bom grado) e mostrar a força das sociedades tolerantes, abertas, multiculturais. Muçulmanos moderados, cristãos, judeus, budistas, hindus, todos, independentemente da religião, teremos de nos unir em prol de um bem superior: liberdade, tolerância, respeito pela dignidade da pessoa humana.
10.Por uma sociedade de vida. Pela rejeição da sociedade da destruição e da morte. Será esta coligação da humanidade que irá vencer o terrorismo, ou seja, vencer a coligação da desumanidade!