Quanto mais os investigadores alemães avançavam ontem na investigação ao atentado da noite de segunda-feira, menos se ficava a saber sobre quem estava ao volante do camião que galgou quase oitenta metros de corpos e barracas na capital alemã, matando 12 e ferindo 48, muitos com gravidade.
O suspeito que as autoridades capturaram minutos depois do ataque foi libertado por falta de provas ao início da noite de ontem, numa altura em que meio mundo já apontava o dedo à chanceler alemã, dizendo que ela e a sua política de portas abertas haviam sido responsáveis pelas pessoas mortas no mercado de natal atacado. O suspeito era paquistanês, tinha chegado ao país no último ano, era requerente de asilo mas não era o culpado. Esse está ainda a monte, possivelmente armado e provavelmente perigoso.
As autoridades estão sem teorias ou pistas. “A polícia não tem ideia de quem procura”, escrevia ontem Michael Behrendt no “Die Welt”, o primeiro a avançar que as autoridades estavam com dúvidas sobre o primeiro suspeito. O grupo Estado Islâmico reivindicou o atentado ontem, quase um dia depois do ataque, mas os procuradores alemães já de manhã desvalorizavam os militantes que o sugeriam nas redes.
Não é incomum grupos reclamarem a autoria de ataques dos quais não se sabe ao certo quem são os atacantes. Em todo o caso, governo alemão e investigadores partem do princípio de que o ataque de segunda-feira contra o mercado de Kaiser Wihelm foi um atentado islamita, pelo número de vítimas e semelhanças ao ataque de julho em Nice, onde um homem que se professou ao Estado Islâmico matou 86 pessoas com um camião e atropelou mais de 400.
Os polícias dizem sob anonimato que estão à “procura de uma agulha no palheiro”. A investigação tenta encontrar pistas nas câmaras de videovigilância das ruas à volta do mercado e nos vídeos de telemóvel gravados por quem lá estava. As grandes esperanças depositam-se para já no polaco Lukasz Urban, o condutor original do camião, encontrado com o cinto posto no lugar do passageiro, esfaqueado, mazelado e morto. A história das suas últimas horas contava-a ontem um primo ao “Guardian”. Urban chegou um dia mais cedo a Berlim para deixar o carregamento de vigas de aço num armazém da ThyssenKrupp, mas foi-lhe dito que não havia lugar para descarregar o material e que teria de esperar umas horas estacionado lá perto.
Por essa altura, o polaco de 37 anos enviou ao seu primo uma fotografia sua num restaurante de kebabs, dizendo que o bairro onde estava era estranho e que quase não via alemães. Tentou ligar à sua mulher por volta das 15h locais, mas ela não atendeu. Quando tentou devolver a chamada, uma hora depois, Urban não respondeu. Foi por essa altura que o seu primo notou algo de estranho no GPS do camião dele. Parecia estar sem rumo. “Era como alguém que estava a aprender a conduzir.”
Merkel acossada O pior para a chanceler alemã seria vir a revelar-se que o atacante é um dos requerentes de asilo que entraram no país no último ano. Angela Merkel só agora começou a recuperar a popularidade que perdeu por esses meses, quando mais de um milhão de pessoas entraram no país em busca de asilo. Dentro de pouco mais de meio ano, aliás, vai a eleições em busca de um quarto mandato.
A chanceler continua a ser a opção consensual, tem a vitória quase assegurada e o caminho aberto para renovar uma maioria em coligação com os sociais-democratas. Mas não evitará que um partido nacionalista de direita entre no Bundestag pela primeira vez desde o fim da II Guerra Mundial. A política alemã ficou transformada pelos refugiados e a chanceler tem agora concorrência à direita, para quem parece ser irrelevante a identidade do terrorista.
Merkel sabe que suportará a culpa de qualquer ataque em solo alemão. Aconteceu repetidamente em julho, quando em poucos dias um refugiado afegão feriu várias pessoas num comboio antes de ser abatido pela polícia; um adolescente alemão matou nove pessoas a tiro em Munique; um refugiado sírio esfaqueou e matou uma mulher grávida; e, por fim, um sírio a quem o pedido de asilo fora recusado fez-se explodir no exterior de um bar em Ansbach, matando-se apenas a si próprio.
Só este último ataque e o caso do afegão no comboio parecem ter ligações a movimentos islamitas, mas a culpa nunca deixou de cair no colo da chanceler, que já teve de fazer várias concessões à ala mais conservadora do partido, como anunciar deportações mais fáceis, ou, como no início do mês, a proibição do véu islâmico completo em lugares públicos. Merkel precaveu-se ontem contra a possibilidade de o atacante ser um requerente de asilo. “Seria particularmente repugnante para os muitos alemães que se dedicaram, dia após dia, a ajudar os refugiados”, lançou, de luto.
Para o movimento nacionalista o ataque já prova a culpa da chanceler. “Estes mortos são de Merkel”, lançava ontem um alto-responsável do Alternativa para a Alemanha, o partido antimigração que por estes dias soma 13% das intenções de voto e só num ano entrou em dez dos 16 governos regionais alemães.