A notícia chegou complicada na tarde de terça-feira 7 de junho. “As equipas de Obstetrícia e da Unidade de Neurocríticos do Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE (CHLC) procederam a uma cesariana programada electiva, com o objetivo de fazer nascer uma criança, cujas últimas semanas de gestação ocorreram com a mãe em estado de morte cerebral”, informou em comunicado aquele centro hospitalar. A história não tardou a revelar-se um milagre da medicina e a prova de que o Serviço Nacional de Saúde consegue dar resposta aos casos mais complexos e pôr pessoas de diferentes instituições a trabalhar em equipa, mesmo após o safanão da crise.
Sandra Pedro, a mãe que nunca conheceu este filho (hoje com seis meses), tinha vários problemas de saúde e teve uma hemorragia cerebral fatal a 20 de fevereiro. Estava grávida de 17 semanas, mas chegou a saber o sexo da criança – um irmão que desejava dar ao primeiro filho de outra relação – e foi ela a escolher o nome Lourenço. Hospitalizada de urgência em São José e declarado o óbito, a família já estava a preparar o funeral quando recebeu um telefonema da equipa do hospital: o coração do menino ainda batia.
Os cuidados intensivos de neuroradiologia de São José chamaram os especialistas da Maternidade Alfredo da Costa e entrou no terreno a comissão de ética do hospital – em diálogo com os familiares da mãe e com o pai da criança.
Foram 107 dias de luta pela sobrevivência longe dos holofotes mediáticos – num quarto não muito longe daquele em que morreu, no início do ano, um jovem de 29 anos à espera de uma operação a um aneurisma. Quando Sandra entrou no hospital, a barriga não se notava. Lourenço cresceu enquanto o corpo da mãe definhava.
A obstetra Ana Campos contou na altura ao semanário “Sol” que todos os dias a equipa de enfermagem acariciava a barriga de Sandra, para passar calor humano ao menino. “O momento mais marcante foi tirar aquele bebé lindo e saber que a mãe ia ser desligada”, disse Ana Campos. Lourenço nasceu rosado às 32 semanas, com 2,350 kg – mais forte do que muitos prematuros. No momento seguinte, depois do seu choro forte, os médicos desligaram as máquinas que mantinham a mãe presa à vida.
Lourenço esteve 29 dias internado, com o hospital a partilhar quase diariamente as suas conquistas. Aos 17 dias começou a conseguir agarrar a tetina do biberão, o peso foi sempre aumentando.
Uma disputa legal envolveu depois a família materna e o pai da criança, que acabou por ficar com a guarda do filho, a que chamou Lourenço – cumprindo o desejo da companheira – e Salvador, porque veio dar rumo à sua vida.
Contactado esta semana pelo i, Miguel Faria disse que o filho tem crescido bem e que nos últimos dias começou a comer sopa. Não quer fotografias nem falar mais. O caso foi inédito no país e por poucos dias não bateu o recorde mundial de gestação mais longa com a mãe em morte cerebral: um menino nasceu após 110 dias nestas circunstâncias em Abu Dabhi. Lá, como cá, a história de um milagre assim nunca é só feliz e deixa marcas. “Esta mãe foi uma incubadora viva. Doou o corpo ao seu filho”, lembrou Gonçalo Cordeiro Ferreira, responsável pela comissão de ética do centro hospitalar.