“Os amigos não levam outros amigos ao Conselho de Segurança”. Foi desta forma que um desgostoso Benjamin Netanyahu lamentou a abstenção norte-americana, na votação da passada sexta-feira naquele órgão das Nações Unidas, permitindo a aprovação de uma resolução inédita, de condenação ao estabelecimento de colonatos judeus em território palestiniano. Ao lamento inicial, o primeiro-ministro de Israel acrescentou um conjunto de medidas impetuosas e sem precedentes, anunciando o corte dos apoios financeiros do país à ONU e chamando para casa todos os embaixadores destacados nos 15 países que apoiaram a resolução. Para além disso, um porta-voz seu garantiu ter “provas sólidas” de que a promoção do texto que foi a votos foi liderada pela administração Obama, nos bastidores da organização mundial.
A decisão norte-americana de abdicar do direito de veto, inerente a todos os 5 membros permanentes do Conselho de Segurança, foi um duro soco no estômago do atual governo israelita e juntou todos os ingredientes necessários para poder vir a lançar na lama a vigorosa aliança entre Israel e Estados Unidos.
Mas, felizmente para Netanyahu, Donald Trump prometeu resgatar os “amigos” israelitas das “garras” de Barack Obama e deixou-lhes uma mensagem de força.“Não podemos continuar a permitir que Israel seja tratada com tamanho desdém e desrespeito. O início do fim foi o acordo horrível com o Irão e agora isto (ONU)!”, lamentou o presidente eleito dos EUA, através da sua ferramenta predileta de comunicação, a rede social Twitter. “Mantém-te forte, Israel, o dia 20 de janeiro está a aproximar-se rapidamente!”, apelou.
Na verdade o posicionamento de Trump, em consonância com o primeiro-ministro israelita, não surpreende. Quer no Twitter, quer em frente às televisões, durante a campanha presidencial, o magnata colecionou diversas tomadas de posição de apoio a Netanyahu, como, por exemplo, a sugestão de deslocar a embaixada dos EUA de Telavive para Jerusalém, ou a escolha de David Friedman – um apologista da construção de colonatos israelitas em território palestiniano e na zona oriental de Jerusalém – para embaixador norte-americano em Israel.
Kerry reclama amizade
A resposta da administração Obama às acusações israelitas sobre o incumprimento dos deveres entre amigos de longa data, não se fez esperar e, em conferência de imprensa, o secretário de Estado norte-americano justificou a abstenção dos EUA na ONU se deveu precisamente à amizade existente entre os dois Estados. “Cabe aos amigos dizerem uns aos outros as verdades mais duras”, disse John Kerry, lembrando que a “amizade [com Israel] não significa que os EUA têm de aceitar todas as políticas [que envolvem os israelitas]”. Até porque, sugeriu, Obama fez mais por Israel do que qualquer outra administração.
Num longo discurso, a partir da sede do departamento de Estado, em Washington, o chefe da diplomacia norte-americana não teve problemas em criticar as políticas seguidas pelo atual executivo israelita, que colocam “sérios riscos” à chamada “solução de dois Estados”, defendida pela administração democrata, e que prevê a criação definitiva de um país soberano palestiniano. Kerry negou ainda que o estabelecimento de colonatos judeus na Palestina “tenha que ver com segurança” e fez questão de avisar que o caminho seguido por Netanyahu começa a tornar “impossível” o seu país poder ser “judeu e democrático ao mesmo tempo”.
Que futuro com Trump?
Que o próximo presidente dos EUA vai rejeitar o caminho seguido por Obama, parece ser cada vez mais uma certeza, e que Israel não vai seguir a resolução da ONU, idem. A questão que se coloca é de que forma pode Trump reverter a decisão do Conselho de Segurança que, mesmo não tendo força vinculativa, decreta como “ilegal”, à luz do direito internacional e do acordos de Oslo, a presença dos cerca de 800 mil colonos que residem, atualmente, em território palestiniano.
As hipóteses em cima da mesa serão, à primeira vista, introduzir uma nova resolução revogatória das recomendações aprovadas na sexta-feira ou, numa estratégia de pressão, reduzir o financiamento norte-americano à organização – os EUA suportam, atualmente, 22% do total do orçamento da ONU.
Existe, porém, uma terceira via: a da descredibilização e deslegitimação das Nações Unidas e a consequente rejeição do seu papel enquanto palco de negociação. Tendo em conta que Trump apelidou recentemente aquela como um mero “clube onde as pessoas se juntam, falam e passam um bom momento”, a terceira hipótese parece mesmo poder vir a ser a escolhida.
Na última vez que os EUA deixaram uma organização mundial à sua sorte, o mundo voltou a entrar em guerra. A Sociedade das Nações não deixou saudades e a ONU foi criada, após a Segunda Guerra Mundial, precisamente para compensar a triste existência da primeira.