1.E aí está: Marcelo Rebelo de Sousa transmitiu a sua primeira mensagem de Ano Novo, enquanto Presidente da República (claro está), aos portugueses. Um evento político digno de registo? Aparentemente seria – a comunicação social anunciou com expectativa a mensagem de ontem, como se ouvir Marcelo na televisão fosse uma novidade ou um fenómeno estranho…
A verdade é que a única realidade estranha é termos a bênção de um dia sem ouvir Marcelo – tivemo-lo no sábado! No sábado, Marcelo não apareceu na televisão – nem mesmo para figurar entre os transeuntes que assistiam ao fogo de artifício no Terreiro do Paço!
Portanto, o facto digno de cobertura jornalística não é a mensagem de Marcelo –é, antes, Marcelo ter estado calado (e desaparecido em combate) durante todo o dia de sábado. A notícia não é Marcelo falar – a notícia é Marcelo estar calado e em paradeiro incerto, leia-se, sem câmaras de TV e flashes fotográficos da imprensa escrita e das revistas do mundo social por perto.
2.Dito isto, a mensagem de ano novo do Presidente Marcelo foi mais do mesmo, contando apenas com uma novidade digna de relevo: o mergulho em Cascais, na Praia dos Pescadores, com direito a lavagem dos pés, acompanhada a par e passo pelas televisões nacionais. E como notícia de abertura: Marcelo nadou, Marcelo falou em três línguas, Marcelo limpou os pés com a sua toalha, Marcelo calçou as sapatilhas, Marcelo correu para sua casa.
É um verdadeiro e genial golpe de spinning (isto é, de marketing político) inventado por Marcelo Rebelo de Sousa: primeiro, anuncia à revista FLASH! (revista do mundo social, muito bem feita!) que dará um mergulho no dia 1 de Janeiro; depois, na sexta-feira anuncia às redacções; no sábado, agenda com as redacções; ontem, foi nadar com os jornalistas já prontos para cobrir devidamente o “splash, splash” na água, desde a entrada no mar até à saída e regresso à residência pessoal.
3.Curiosamente, o mergulho mediatizado coincidiu com o dia da mensagem de Ano Novo. O que pretendeu Marcelo? Fácil: desviar as atenções dos portugueses do conteúdo político da mensagem para o facto inédito e popular do mergulho na praia de Cascais. E conseguiu: por exemplo, no jornal da meia noite de uma estação noticiosa de referência, apareceu mais vezes o mergulho (e comentou-se mais o mergulho!) do que a mensagem de ano novo.
4.Quanto ao discurso, há que distinguir a forma do conteúdo. Na forma, houve a intenção de Marcelo desvalorizar o discurso político, sobrevalorizando o elemento pessoal , a sua pessoa, com o mergulho em Cascais, chamando a comunicação social para o cobrir – para além de um discurso mais curto do que era a prática dos seus antecessores. Foi um discurso de síntese de intervenções anteriores do Presidente.
5.Quanto ao conteúdo, Marcelo fez o que tem feito: puxar pelos méritos da geringonça, salientando a estabilidade política e o compromisso sólido entre as três forças políticas que compõem, formal e informalmente, o Governo.
Por outro lado, Marcelo deu mais uma bofetada monumental em Pedro Passos Coelho quando referiu que a solução política encontrada sobreviveu mais do que alguns pensavam. Evidentemente, aqui “alguns” significa Pedro Passos Coelho e o PSD. Nossa pergunta: a mensagem foi gravada antes do almoço de quinta-feira, entre o Presidente e o líder do PSD e da oposição? Jugamos que sim.
6.Em segundo lugar, Marcelo Rebelo de Sousa auto-elogiou-se. Quando? Quando referiu que um dos méritos políticos alcançados em 2016 foi o da maior proximidade entre eleitores e eleitos, tendo os dirigentes políticos contactado directamente a população pra compreender os seus anseios e receios.
Leia-se, ele, Marcelo Rebelo de Sousa, com os seus afectos, veio descrispar a sociedade, veio aproximar o poder político dos cidadãos – o nosso sistema político é, hoje, mais estável e mis credível graças a ele, Marcelo Rebelo de Sousa. É um elogio em boca própria. Como Marcelo sempre nos ensinou que elogio em boca própria é vitupério, só podemos concluir que o Presidente Marcelo vilipendiou o Presidente Rebelo de Sousa.
7.Ou seja: Marcelo Rebelo de Sousa, ao contrário do que tem sido sugerido, não pretendeu elogiar António Costa – Marcelo pretendeu, isso sim, elogiar-se a ele próprio. Portugal está melhor porque eu, Marcelo Rebelo de Sousa, fui eleito em Janeiro e tomei posse em Março. Se não fosse Marcelo, estaríamos pior – eis a mensagem que Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de nos deixar no primeiro dia do ano de 2017.
8.O melhor da intervenção da primeira mensagem de ano novo de Marcelo? Sem dúvida, o mergulho nas praias da maravilhosa cidadela de Cascais. Começar qualquer dia em Cascais (que tem um excelente Presidente de Câmara – Carlos Carreiras), é sempre inspirador e um programa notável. E o diálogo com as turistas alemãs foi delicioso…Glückliches neues jarh, Präsident!