“Sei que a forma como o processo de eleição decorreu gerou muitas expectativas. Acho que é útil dizer que não há milagres e tenho a certeza de que não sou milagreiro”. A garantia foi dada por António Guterres, esta terça-feira, num discurso feito perante dezenas de funcionários que o aguardavam na sede da ONU em Nova Iorque.
O secretário-geral das Nações Unidas, cujo mandato teve início no passado dia um de janeiro, começou por destacar o “enorme privilégio” em poder voltar a chamar de “colegas” aos vários funcionários da organização, depois de um ano sabático. “Dito isto, acho que não devemos ter ilusões. Enfrentamos tempos muito desafiantes” disse.
O ex-primeiro-ministro português recordou o ataque terrorista em Istambul, na noite da passagem de ano, e que fez 39 mortos. “Podem imaginar como é para mim, que trabalhei com as pessoas da Turquia enquanto Alto-Comissário. Um país que se tornou o maior recipiente de refugiados de todo o mundo, ver que se tornam agora vítimas deste terrível ataque terrorista”.
Problemas globais
Abordando a questão dos refugiados, tema que conhece bem graças aos 10 anos de experiência enquanto Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Guterres sublinhou o facto de a lei dos refugiados ser menos respeitada agora do que há alguns anos. Guterres sublinhou também o aumento “drástico” das desigualdades, que ocorrem em contraponto com o “enorme progresso económico e tecnológico” e com a diminuição da “pobreza extrema no mundo”. “Num mundo em que tudo se tornou global, em que as comunicações se tornaram globais, o facto de se estar excluído torna-se ainda mais insuportável. Porque as pessoas agora podem ver como os outros vivem, podem ver a prosperidade em outras partes do mundo. Esta exclusão acaba por despertar mais facilmente revolta, raiva e torna-se um fator de instabilidade e conflito”.
Para o secretário-geral, “este é o momento em que temos de afirmar o valor do multilateralismo”, uma vez que os problemas do mundo não se podem resolver país a país, mas sim a nível global. “Este é o momento em que temos de reconhecer que apenas soluções globais podem resolver problemas globais e que a ONU é a pedra basilar dessa abordagem multilateral”, defendeu.
Reconhecer feitos e falhas
Guterres deixou ainda um aviso: não se deve “tomar nada como garantido”, especialmente porque nem todos têm uma visão positiva das Nações Unidas. “Vemos em muitos países a crescente divisão entre opinião pública, governos e classe política. Também vemos em muitas partes do mundo, em relação a organizações internacionais como a ONU, resistência e ceticismo quanto ao papel que a ONU pode desempenhar”.
Acima de tudo, referiu o português, é importante que os trabalhadores da ONU tenham “orgulho” no trabalho que fazem, ressalvando a importância de reconhecerem os “feitos”, mas também as “falhas”. “Salvámos muitas pessoas, muitas pessoas sofreram menos, graças à existência da ONU. Mas também precisamos reconhecer aquilo em que ficamos aquém. Reconhecer as nossas falhas, e reconhecer as situações em que não conseguimos ajudar, como deveríamos, as pessoas com quem nos preocupamos”.
A reforma
O secretário-geral da ONU não perdeu a oportunidade para abordar a questão da reforma institucional que quer levar a cabo durante o seu mandato. “Precisamos de livrar-nos deste colete de forças de burocracia que nos torna a vida tão difícil em tantas das coisas que fazemos”
“Estes tempos vão ser desafiantes, mas precisamos de saber que não é suficiente fazer a coisa certa. Temos de ganhar o direito para fazer a coisa certa. E isto é algo que, claramente, precisamos de fazer todos juntos”.