A Procuradoria-Geral da República está a investigar a instalação de iluminações de Natal na Madeira em 2015. O concurso lançado há dois anos abriu uma guerra entre a Secretaria Regional da Economia, Turismo e Cultura (SRETC) do Governo Regional e as empresas que concorreram. Agora, a PGR confirmou ao i que foi feita uma denúncia anónima e que a mesma deu origem a um inquérito.
Em causa estarão alegadas irregularidades ao longo do processo. Uma queixa feita à Unidade Regional da Madeira da Polícia Judiciária a 14 de Novembro de 2016, a que o i teve acesso, denuncia o favorecimento da empresa que acabou por instalar as iluminações de Natal, a firma Luxstar.
O litígio começa quando, em 2015, a secretaria regional decide lançar um concurso público para contratar este serviço.
Depois de ter excluído as quatro propostas apresentadas, por diferentes incumprimentos, a SRECT acaba por optar por um ajuste direto, escolhendo a empresa Luzosfera – com quem o governo regional trabalhava há mais de 20 anos – para desenvolver os trabalhos propostos.
Esta empresa tinha sido excluída no concurso inicial por apresentar uma proposta de 3.799.115,60 euros, muito acima do limite de dois milhões de euros imposto no concurso.
Entretanto, quando vence o ajuste direto, a empresa alega que o caderno de encargos apresentado era difícil de cumprir. Para se respeitarem os prazos, a empresa não poderia usar os materiais exigidos pela secretaria regional, que tinham de ser de um modelo específico.
Como não terá havido flexibilidade em relação ao caderno de encargos, a Luzosfera acabou por se retirar do procedimento e o trabalho foi atribuído, mais uma vez por ajuste direto, à empresa Luxstar.
Esta empresa já teria uma relação comercial com a firma que fornecia os materiais do modelo exigido no caderno de encargos, a empresa Blachere Iluminações. Mesmo assim, a Luxstar instalou as luzes mas não terá cumprido com todas as exigências contratuais, o que é também denunciado às autoridades.
Favorecimento? O caderno de encargos faz várias vezes referência à Blachere “ou equivalente”. Na denúncia feita à polícia judiciária, é defendido que não havia qualquer outro fabricante ou fornecedor (para além da Blachere) com produtos e materiais que correspondessem à descrição e às exigências feitas no caderno de encargos.
Estas especificações correspondem, alega-se na queixa, a um atropelo das regras da concorrência. Os outros concorrentes estariam em desvantagem em relação à Luxstar, que já tinha uma relação comercial prévia com este fornecedor.
A Secretaria Regional da Economia, Turismo e Cultura, em resposta a um pedido de esclarecimento do i, defende que “as referências a marcas no caderno de encargos (Blachere ou outras) foram feitas com respeito integral das normas jurídicas aplicáveis, não estando os candidatos obrigados à utilização de produtos ou materiais de nenhuma marca em concreto, cuja referência na dita peça concursal é, apenas, meramente exemplificativa.”
Fonte oficial adianta ainda que “a região autónoma da Madeira ignora, por inteiro, nem tem obrigação de saber, se a Blachere dispõe de alguma representação na Madeira, assim como ignora se a Luxstar integra algum grupo de empresas ou se é ela própria um grupo de empresas”.
Paulo Veiga e Moura, advogado especialista em direito administrativo, explicou ao i que “o governo regional, ou o dono de uma obra, é livre para dizer que quer na sua obra determinado material”. “Ninguém pode ser penalizado por ser o único que fornece determinado bem”, acrescenta.
Sobre o litígio em curso, a secretaria regional defende que a empresa Luzosfera se retirou da ‘corrida’ duas vezes, daí que não tenha restado “alternativa que não fosse, de acordo com a lei, revogar a adjudicação que fizera à Luzosfera e adjudicar à Luxstar, a concorrente com a segunda melhor proposta”.
O organismo confirma, porém, que a segunda empresa também não cumpriu todas as obrigações. “Na sequência de trabalhos a menos realizados e na sequência da execução irregular de alguns trabalhos compreendidos no objeto da referida prestação de serviços, irregularidades essas detetadas durante o acompanhamento e fiscalização da execução do contrato, a região autónoma da Madeira acabou por pagar à Luxstar apenas o montante final de € 1.817.395,8611”, valor abaixo dos dois milhões estipulados na abertura do concurso.
A secretaria regional alega, contudo, que as irregularidades nada tiveram a ver com a resposta ao caderno de encargos, como alega a queixa a que o i teve acesso. Segundo a SRETC, “não havia problemas com o caderno de encargos”, que foi produzido “com caráter exequível”.
Os problemas foram detetados ao nível da execução e terão sido alheios à empresa que acabou por ficar com a adjudicação. “Em termos de execução sim, houve aspetos do caderno de encargos que não poderiam ser cumpridos por motivos alheios às partes (não autorização dos proprietários dos prédios onde iria ser colocada iluminação, por exemplo).
Da mesma forma foi dada uma ordem de trabalhos pela SRETC no que concerne às ribeiras, pois após ensaios realizados “não se verificou o resultado expectável, quer por razões de funcionalidade quer por razões de estética ou densidade de motivos decorativos, prejudicando e comprometendo o êxito da prossecução do objeto e dos objetivos e fins do contrato’”, justifica o mesmo organismo.
“Todos os procedimentos pré-contratuais (os concursos públicos internacionais – o aberto em 2015 e o aberto em 2016 – e o ajuste direto de 2015) obedeceram escrupulosamente a todos os princípios e a todas as normas legais a que deviam sujeitar-se, respeitando, de forma evidente, os princípios da concorrência e da igualdade entre os concorrentes”, reforça ainda a secretaria regional. “Os contratos celebrados obtiveram, ambos, visto do Tribunal de Contas, sem qualquer reparo, o que não teria sucedido se, porventura, os procedimentos pré-contratuais que lhes estão subjacentes não tivessem respeitado tais princípios, assim como todos os outros princípios e normas jurídicas a que se tem que submeter”, defende por fim a SRECT.
Insolvência da Luzosfera Segundo a denúncia feita à polícia judiciária, o desenrolar deste concurso levou a Luzosfera a pedir a insolvência no passado dia 8 de novembro.
A queixa cita informação veiculada pelo “Diário de Notícias da Madeira”, que escreveu na altura que a firma já atravessava dificuldades há algum tempo – 80 credores reclamaram o pagamento de dívidas no valor de 790 mil euros.
Após a atribuição da instalação das iluminações de Natal a outra empresa, a Luzosfera dispensou vários trabalhadores, o que terá sido início do seu fim.