Como em tantos outros dias de 2016, o ano começou na Turquia de mãos dadas com o terrorismo. Na noite de passagem de ano, já depois das doze badaladas, um homem entrou armado na discoteca Reina, em Istambul, e começou a disparar contra uma multidão de mais de 600 pessoas. Matou pelo menos 39, feriu perto de 70 e pôs-se em fuga. O ataque foi reivindicado, na segunda-feira, pelo grupo terrorista Estado Islâmico e descrito pelo presidente Recep Tayyip Erdogan, como resultado de uma estratégia que tem por objetivo “desmoralizar” e “desestabilizar” o povo turco, através da “criação de caos”.
O massacre no Reina – um conhecido espaço de diversão noturna da cidade de Istambul, localizado nas margens do Bósforo e habitual local de encontro de celebridades turcas e estrangeiras – traz à memória outros atentados do género, em discotecas, clubes, bares ou salas de espetáculo, locais escolhidos por sujeitos armados ou armadilhados, para dispararem tiros indiscriminadamente ou para se fazerem explodir no meio dos que ali se divertem, e onde se mataram dezenas de pessoas, desconhecidas e aleatórias.
Em junho do ano que passou, por exemplo, Omar Mateen decidiu entrar a matar na discoteca gay norte-americana Pulse, em Orlando, e deixou 49 pessoas sem vida e mais de 50 feridos.Também naquela aterradora noite de 13 de novembro de 2015, em Paris, a sala de concertos do Bataclan foi palco de uma carnificina sem limites, quando quatro homens descarregaram metralhadoras sobre a multidão, durante quase 20 minutos, matando 90 pessoas. Uns anos antes, em 2001, tinha sido a vez de um terrorista se fazer explodir, na discoteca israelita Dolphinarium, em Telavive, levando consigo 21 vidas e deixando feridas mais de 100. E indo mais longe no tempo, ouvimos também relatos de um outro ataque semelhante, embora menos mortífero. Em 1986, na discoteca La Belle, situada em Berlim Ocidental e muito frequentada por soldados norte-americanos, uma bomba matou três pessoas e feriu mais de 200.
Castigo ou Método?
A impiedade verificada nos ataques a discotecas e, principalmente, a aparente aleatoriedade das vítimas que deles resultam, podem sugerir que os atacantes se movem com o objetivo de ‘castigar’, não uma pessoa específica, mas um grupo que espelhe uma ideia daquilo que é visto, aos olhos do assassino, como a representação do ‘errado’ ou do ‘mal’. Uma interpretação neste sentido terá de ser, impreterivelmente, associada às crenças individuais de quem dispara o gatilho ou detona a bomba, sejam elas assentes em ideais de fundamentalismo religioso ou simples loucura e ódio.
A verdade é que, olhando para os vários atentados ocorridos em espaços de diversão noturna, não é de todo óbvio encontrarmos entre eles, para além do método, uma associação exclusiva entre as motivações dos seus vários autores. Nos casos de Istambul e Paris, a ordem parece ter sido decretada pelos terroristas do Estado Islâmico, é certo. Mas, mesmo assim, baseada em motivos diferentes. Se em França se verificou uma tentativa de ataque ao Ocidente e à civilização europeia, como um todo, através da alimentação da insegurança e do terror, executada em vários locais de uma das suas principais cidades – onde se incluiu o massacre durante o concerto dos “Eagles of Death Metal” no Bataclan -, na Turquia o ataque parece ter sido bem mais pragmático, motivado por um sentimento de retaliação, contra as operações militares de Ancara na Síria.
Já o massacre de Orlando, mesmo tendo sido também reivindicado pelo Estado Islâmico, nunca foi possível comprovar se essa ligação foi real, pelo que o ataque aparenta ter sido levado a cabo pelo ódio de uma pessoa singular. No caso, do atacante.
Quanto às explosões nas discotecas israelita e alemã, investigações posteriores concluíram que as motivações por detrás das mesmas tiveram origem em reivindicações muito concretas, e com forte pendor político. Em Telavive, foi o Hamas o responsável pelo ataque, enquanto que a explosão em Berlim Ocidental foi planeada pelos serviços secretos líbios.
Fator multidão
Se é verdade que os espaços de diversão noturna são muitas vezes rotulados como locais de depravação ou pecado, aquilo que os torna apetecíveis para os terroristas parece estar relacionado com uma questão mais pragmática: a facilidade de ataque a um maior número de pessoas, recorrendo a poucos meios e atores, um tipo de agressão difícil de prever e evitar, e cada vez mais recorrente.
Neste sentido, as discotecas acabam por representar o mesmo perfil das zonas movimentadas, das estações de metro e de comboio, dos mercados de Natal ou dos locais onde se realizam eventos desportivos. Nice, Berlim, Bruxelas, Istambul, Londres, Bagdade ou Madrid falam por si.
É a tal “criação de caos” que tanto mata e mais assusta.