2.Nesta curta, mas repleta, conversa não se coibiu de responder a todas as questões formuladas, sempre com a mesma segurança, fluidez e a abertura. Hesitação, à liça de contenção verbal e medição cautelosa de palavras? Apenas uma vez: quando questionada acerca da natureza do regime de Vladimir Putin. É a prova de que a tese do “fim da história” é manifestamente exagerada, apenas uma criação intelectual subjectiva e voluntarista: os traumas do século XX europeu – de seus meados e do seu final – ainda se encontram bem vivos nos povos do nosso (tão peculiar quanto atribulado) continente.
3.Por falar em Europa, a nossa conversa com a Embaixadora da República da Lituânia iniciou-se por esta temática. De facto, a construção da União Europeia, e a perspectiva do seu futuro, é um tópico particularmente candente para os lituanos – a Lituânia, ao longo da sua história, sistematicamente se confrontou com problemas decorrentes da sua inserção geopolítica.
3.1.Esta condicionante geográfica implicou mesmo constrangimentos históricos para a afirmação da Nação lituana como Estado independente e soberano: após se afirmar enquanto Estado soberano na Idade Média, a Lituânia foi anexada pelo Império Russo em 1795 e, mais tarde, ingressaria no bloco político-ideológico da União Soviética, sob os auspícios de Estaline, na sequência do famigerado (e historicamente maldito) Pacto Molotov-Ribbentrop (1940). Estávamos no contexto da Segunda Guerra Mundial – a oposição e a premência de derrotar Hitler e a Alemanha nazi justificavam os mais tragicamente insólitos pactos.
3.2.Tal já pertence ao passado. Agora, a Lituânia afirma-se como Estado independente e soberano no quadro da União Europeia. O seu futuro passa por aí. Mas por onde passará o futuro da União Europeia? Começando por realçar que “68% dos lituanos são pró-europeus”, a Embaixadora admite que “ há várias forças contra a Europa, quer externas (Brexit, as migrações provenientes do Sul) e internas (problemas orçamentais situação financeira, populismos). No entanto, estes problemas reclamam uma intervenção da União Europeia, porquanto não poderão ser resolvidos à dimensão local ou estadual”.
3.2.1.Insistimos: para além das pressões económicas e sociais ligadas aos movimentos migratórios, não haverá o risco político real da vitória dos populismos nacionalistas, de cunho anti-democrático? A Embaixadora é peremptória: “ os partidos populistas apenas se tornarão um problema se se tornarem nos partidos liderantes”. E tal pode realisticamente acontecer? “ (hesita) quem pode prever?”.
4.Finalmente, avançamos para o assunto mais candente, do ponto de vista da República da Lituânia e, cada vez mais, para os Estados que integram o Pacto Atlântico: a ameaça à segurança internacional decorrente dos ímpetos imperialistas da Rússia de Vladimir Putin. A Embaixadora Asta SKAISGIRYTÉ não tem dúvidas em afirmar que a Rússia é uma ameaça e que “ certamente não é uma democracia. Vladimir Putin é o verdadeiro líder da Rússia. Não há líderes da oposição, não há críticas, não há liberdade de expressão, nem liberdade de informação e imprensa. A Rússia caminha para o isolamento”. E a Lituânia receia que Putin possa querer restaurar o império soviético? “ Putin tem essa vontade. Temos de nos preocupar. São as fronteiras do nosso Estado…”.
4.1. Assim sendo, podemos qualificar a Rússia como uma autocracia? “ Não é certamente uma democracia. Os procedimentos políticos são manipulados, é tudo sempre controlado. Não há forma de a oposição desafiar o poder vigente. Os opositores de Putin estão na prisão ou no exílio. Putin ameaça utilizar armas nucleares: este tipo de declarações não são próprias de um líder político responsável”.
As críticas a Vladimir Putin não se ficam por aqui: “Putin criou uma máquina de propaganda poderosíssima. Utiliza os meios de comunicação modernos, como as redes sociais – facebook, twitter, youtube, canais de televisão internacionais – para exaltar os seus feitos políticos. A informação baseia-se em mentiras. Não é por serem transmitidas através de meios modernos que deixam de ser mentiras. Toda a propaganda é mentira”.
5. No que respeita à vitória de Donald Trump, Asta nunca se mostrou preocupada quanto ao resultado final: “o sistema político americano é baseado em freios e contrapesos e na afirmação dos seus interesses no exterior através de vários instrumentos, mesmos até através dos actores de Hollywood…”.
6.Quanto ao Presidente Barack Obama, a Embaixadora admite que o ainda Presidente centrou a sua política externa no Pacífico, em detrimento da Europa – mas que reforçou a sua aposta na Europa recentemente, no final do mandato. Admissão de erro? Fica a pergunta.
7.Atendendo a este contexto internacional, a NATO é determinante para assegurar a segurança na Europa e à escala global: “ NATO é um bom dissuasor das acções de Putin. E há casos em que a influência da NATO se verificou”. E formula um desejo: “ OS Estados Unidos da América devem reforçar o seu papel e presença na Europa. Temos muitos americanos na Europa. Temos muitos militares americanos na Lituânia. Devem regressar à aposta na Europa”. Quanto à opinião pública europeia e sua percepção quanto ao papel da NATO, “ os europeus são muito pró-NATO, excepto o caso particular da França, justificada por razões históricas”. Não obstante, a “NATO deverá adaptar-se às novas modalidade de guerra e a outras ameaças”.
8.Outros compromissos reclamam a presença da Embaixadora Asta SKAISGIRYTÉ, . Não podemos, no entanto, terminar sem a pergunta para “um milhão de dólares”: como estão as relações diplomáticas entre Portugal e a Lituânia e que conselhos daria a um empresário português para investir na Lituânia? A resposta foi entusiasmada e entusiasmante: “ as relações são excelentes, não temos problemas bilaterais. Portugal participa em operações militares no nosso país e estamos muito satisfeitos e gratos pela vossa colaboração. Os empresários portugueses devem investir na Lituânia – temos boas acessibilidades, somos um país high-tech, somos um país com cidadãos qualificados e um carga tributária reduzida. Serão bem-vindos!”.
9. Hoje a nossa crónica surge em formato ligeiramente diferente: partilhamos com o leitor a conversa interessantíssima com a Senhora Embaixadora da Lituânia para Portugal. Porque o pensamento, a reflexão e a discussão da nossa Política Externa é fundamental para a construção de uma estratégia ambiciosa para Portugal. Olhemos para a Europa de Leste, procuremos novos destinos e novos mercados – e manifestemos, sem reservas nem hesitações, o nosso compromisso (o compromisso nacional!) com a NATO. Redundância ou lembrança inútil? Não: em tempos de geringonça e de protagonismo do PCP, nunca é demais lembrar esta realidade evidente.
10.Eis, pois, uma oportunidade para a diversificação da política externa (e económica) portuguesa. Porque a Lituânia, sendo um Estado báltico, partilha o atlantismo que deve ser a prioridade da nossa diplomacia. O que prova que o atlantismo é uma opção política, uma identificação com princípios e valores políticos fundamentais – e não um fatalismo ou contingência geográfica (apenas!).
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