Filho de pai português e de mãe bávara, Emmérico Nunes é habitualmente descrito como um artista entre pátrias, a portuguesa e a alemã. O seu traço contínuo, firme e minucioso não conseguiu uni-las, mas causou vertigens pela acutilância do seu humor, tantas vezes sarcástico, pela fluída linha mundana e cosmopolita, carregada de ironia.
Com uma vastíssima obra gráfica, dispersa por jornais, revistas, magazines e publicações infantis, nacionais e estrangeiras, distinguiu-se como desenhador humorístico, caricaturista e ilustrador. À imaginação hilariante aliou a agilidade e a segurança técnica, impondo no mercado internacional os seus cartoons políticos, as suas galerias de retratos e de tipos sociais, de grande força plástica e graça endiabrada.
A sua vocação artística e a sua consciência satírica cedo se manifestam em caseiras aventuras editoriais, publicações escoadas no círculo familiar: «A Risota», um ‘semanário’ humorístico feito a copiógrafo; «Folhas Volantes», numa remissão para o mais antigo semanário fundado na Alemanha, o Fliegende Blatter, que a mãe assinava e lhe proporcionou um primeiro contacto com a caricatura alemã.
Muito embora persista nos desenhos, em 1904 ingressa, muito a contragosto, na melhor escola comercial de Lisboa. Pouco fadado para contabilidades, nela esclarece senão o seu exacto rumo futuro, pelo menos o que dele quer excluir: «secretárias com oleados pretos», «calhamaços do Deve e Haver e dos Ganhos e Perdas» – elementos de um cenário odioso (a comparecerem na sua Autobiografia) de que vem resgatá-lo o parecer do pintor José Malhoa, entretanto contactado pelo pai de Emmérico, que decide tirar a limpo a vocação do filho. Nesse mesmo ano, matricula-se na Escola de Belas-Artes de Lisboa, prosseguindo os seus estudos em Paris (1906-1911), onde chega a montar atelier, e depois em Munique com uma formação na Kunstakademie (Academia de Belas Artes).
Chegado ao coração da Baviera em 1911, ruma à redacção do grande semanário humorístico Meggendorfer Blätter. Não vai sozinho: acompanham-no os seus desenhos e a audácia da juventude, que recomendações não as tinha. Sairá com um contrato de exclusividade de 10 anos, assumindo durante a Primeira Guerra Mundial a primeira página e a crónica de guerra, identificado que estava com a causa alemã. Com a prestigiada revista bávara manterá colaboração até 1934, data em que esta foi extinguida, um ano depois da chegada de Hitler ao poder.
Em 1919, regressado a Portugal, sem nunca deixar de colaborar com a prestigiada revista alemã, espalha a sua arte por diversas revistas ilustradas de pendor humorístico, como O Riso da Vitória, Fantoches, Ilustração (com uma vasta colaboração sua), Magazine Bertrand, O Domingo Ilustrado, bem como periódicos generalistas como o Diário de Lisboa e sobretudo a revista ABC, que ficou a dever-lhe uma intensa produção gráfica de qualidade notável. Voltará à Alemanha, para regressar definitivamente em 1928, entrando na roda dos artistas que por cá tentavam sobreviver.
O desaparecimento dos jornais humorísticos, que entretanto começam a fechar portas, uns após outros, à medida que o 28 de Maio ia convertendo o país na ditadura militar que abriria caminho ao Estado Novo, impõe-lhe trabalhos de sobrevivência. Emmérico Nunes, cuja obra inclui ampla e interessante produção de pintura (retrato, auto-retrato, paisagem), foi dactilógrafo, litógrafo, executou trabalhos de restauro nas oficinas do Museu Nacional de Arte Antiga. Integrado na equipa de António Ferro, colaborou nas exposições internacionais que contaram com a participação portuguesa e foi um dos decoradores da Exposição do Mundo Português (1940).
O primeiro ex-libris que desenhou evoca a luta persistente que foi a sua vida desde o regresso a Portugal, travada com mãos de dedos longos e delicados que simbolicamente faz rodear de arame farpado: «Através do espinhoso caminho da vida procuro alcançar a luz e a verdade».