Foi também um dos últimos atos públicos a que compareceu, exceção para uma homenagem à mulher, em setembro, na Cruz Vermelha, instituição à qual Maria Barroso presidiu. Em julho deste ano, o governo do socialista António Costa decidiu homenagear, num ato simbólico, Mário Soares. A homenagem coincidiu com os 40 anos da posse do I governo constitucional saído do 25 de abril de 1974, presidido precisamente por Mário Alberto Nobre Soares.
Soares voltou assim a entrar nos jardins do palácio de São Bento, desta vez ladeado pelo atual chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, e pelo confesso admirador (a quem manifestou também por mais de uma vez a sua admiração) António Costa, o atual primeiro-ministro.
Naqueles 40 anos cabiam muito mais do que o simbolismo do I governo constitucional.
Ali estavam os anos de luta que Mário Soares desenvolveu contra os radicalismos e excessos revolucionários do primeiro ano e meio após o 25 de abril, a vitória dos socialistas nas eleições constituintes de 1975, repetida nas primeiras legislativas de 1976. Considerado por muitos como um dos grandes responsáveis ou mesmo o principal obreiro pela instituição do regime democrático, Soares presidiu a três governos constitucionais, não conseguindo, contudo, terminar uma única legislatura à frente de um governo.
O I governo constitucional durou uma ano e sete meses (junho de 1976 a janeiro de 1978). Foi o único executivo em que Soares foi primeiro-ministro de um governo só do PS. O II governo saiu de uma coligação entre o PS e o CDS. Durou sete meses, entre janeiro e agosto de 1978. O último governo presidido por Mário Soares, o IX constitucional, resultou de nova coligação, desta vez entre PS e PSD. Foi o de maior duração. Aguentou dois anos e meio. De junho de 1983 a novembro de 1985. Acabou com a chegada de Cavaco Silva à liderança dos sociais-democratas. Ou seja, como primeiro-ministro, Mário Soares cumpriu pouco mais do que o período de uma legislatura, quatro anos.
Em 1986 candidata-se à Presidência da República. Nesta campanha, em que teve como principais adversários e antigo camarada de partido Salgado Zenha, Maria de Lourdes Pintasilgo e Diogo Freitas do Amaral, começou atrás nas intenções de voto e acabou em segundo lugar na primeira volta. Muito, segundo se disse, impulsionado pelo episódio em que foi agredido com um pau em plena Marinha Grande, feudo autárquico do PCP. Pela primeira e única vez os portugueses foram chamados a uma segunda volta para eleger o presidente. O PCP convocou mesmo um congresso extraordinário para “engolir um sapo” chamado Soares. Acabou por bater por 120 mil votos o candidato apoiado pela direita Diogo Freitas do Amaral. Cumpriu dois mandatos. O último acabou em 1996. Foi nestas funções, como presidente de “todos os portugueses” que Mário Soares consolidou a imagem de figura incontornável da política portuguesa.
Ao sair de Belém falou-se de despedida. Mas quem começou a ação política ainda nos tempos de estudante e da ditadura de Salazar e Marcelo Caetano, quem fundou, ainda na clandestinidade o PS, dificilmente desiste da política. Em 1999 voltou à “vida ativa”, aceitando o desafio do então líder socialista para encabeçar as listas do partido ao Parlamento Europeu. Foi eurodeputado entre 1999 e 2004. Em Estrasburgo ainda alinhou em mais um combate político, forçando uma candidatura à presidência do Parlamento Europeu em nome dos socialistas contra a candidata apoiada pelo Partido Popular Europeu (PPE), a francesa Nicole Fontaine. Ficou célebre a polémica declaração de Soares ao apontar a eurodeputada francesa como sendo portadora de “um discurso de dona de casa”.
Findo a experiencia europeia, pensou-se que Mário Soares tinha encerrado de vez a ação político-partidária e que iria dedicar-se a escrever as memória se a tratar da Fundação que tem o seu nome. Puro engano. Aos 80 anos reaparece na cena política, novamente pela mão de Sócrates, ao candidatar-se, em nome do PS a um novo mandato na presidência. É derrotado por Cavaco Silva, que seguiu para Belém, e fica mesmo atrás de Manuel Alegre, um velho camarada e militante do PS que decidiu concorrer como independente, sem apoio de partidos. Foi o final da caminhada ao nível de uma intervenção ativa na vida política portuguesa.
Da ação política, há ainda registo de uma passagem pelo PCP ainda antes dos 20 anos, onde conheceu o líder histórico dos comunistas Álvaro Cunhal com quem manteve fortes divergências ideológicas, particularmente durante o chamado PREC (período revolucionário em curso).
Formou-se em Ciências Históricas-Filosóficas e Direito, na Universidade de Lisboa. Antes do 25 de abril foi uma figura central no combate à ditadura. Conheceu, por mais de uma dezena de vezes, a prisão, sempre à mão da polícia política da ditadura, a PIDE. Foi deportado e viveu exilado em França. Como advogado defendeu presos políticos. Apoiou a candidatura de Norton de Matos e representou a família do general Humberto Delgado, assassinado pela polícia política da ditadura.
Depois do regresso a Portugal com a queda do regime em abril de 1974, foi ministro em mais de um dos governos provisórios. Nesse período passou pelo Palácio das Necessidades onde, na qualidade de ministro dos Negócios Estrangeiros desenvolveu os primeiros passos do processo oficial de descolonização. Por isso sofreu, verbalmente ataques da parte dos muitos portugueses que regressaram das antigas colónias, sendo a mais comum as acusações de “traidor”.
É apontado como o principal promotor da entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia (CEE). O processo arrancou em 1977 e o acordo de pré-adesão aconteceu em dezembro de 1980. São célebres os comícios e a propaganda dos socialistas com a frase “A Europa Connosco”. O objetivo foi concretizado a 1 de janeiro de 1986.
São célebres os comícios e a propaganda dos socialistas com a frase “A Europa Connosco”.