“La La Land” e a noite podia ter sido dele, era mesmo para ter sido. O filme de Damien Chazelle, realizador de “Whiplash” (2013), sobre Sebastian, um pianista de jazz (Ryan Gosling) que se apaixona por Mia, uma aspirante a atriz (Emma Stone) em Los Angeles, pode até ter sido o grande vencedor da 74.ª edição dos Globos de Ouro deste domingo. O filme, que tem estreia nas salas portuguesas a 26 de janeiro, venceu em sete categorias, incluindo as categorias-chave: Melhor Filme de comédia ou musical, Melhor Atriz, para Emma Stone e Melhor Ator para Ryan Gosling, além dos globos de Melhor Realizador e Melhor Argumento para Chazelle. Mas foi de Meryl Streep a noite afinal, desta vez nem Jimmy Fallon lhe tiraria isso.
Tudo por um discurso a lembrar da melhor maneira possível que na vida tudo é política e que por isso também o discurso de aceitação do prémio Cecil B. DeMille, reconhecimento da carreira da atriz de 67 anos eternizada por filmes como “Dama de Ferro” ou “O Diabo Veste Prada”, podia sê-lo. Teria que ser para Meryl Streep, pelo menos, que esteve do lado de Hillary Clinton na corrida às últimas presidenciais norte-americanas, contra Trump, e que não resistiu a começar por dizer que muito recentemente perdeu a cabeça e que por isso o melhor seria ler o que tinha para dizer.
“Nós que estamos nesta sala pertencemos aos segmentos mais vilipendiados da sociedade americana neste momento”, afirmou. “Hollywood. Estrangeiros. E a imprensa”, disse a atriz antes de começar a elencar nomes de atores e de atrizes com as suas proveniências. Amy Adams, nascida em Itália, Ruth Negga, da Etiópia, que cresceu na Irlanda, Natalie Portman, que nasceu em Jerusalém. Ainda Dev Patel, que do Quénia foi para Londres até chegar a Hollywood e chegou a esta edição dos Globos de Ouro, sublinhou, pela interpretação de um indiano que cresceu na Tasmânia, ou Ryan Gosling, canadiano para quem já se tinha esquecido. Tudo para chegar a um ponto: “Hollywood está cheia de outsiders e estrangeiros. Se os mandarmos todos embora não teremos nada para ver a não ser futebol e artes marciais.” E isso, sublinhou, “não são as artes”.
Forte aplauso e estava já claro que este era um recado para Donald Trump, não teria sido preciso acrescentar a explicação, mas Meryl Streep fez questão. “O único trabalho de um ator é trabalhar com a vida de pessoas que são diferentes de nós e fazer com que os outros sintam como é que isso é, e houve muitas, muitas, muitas interpretações que o fizeram este ano. Mas houve uma que me arrebatou, não por ser boa, na verdade não havia nada de bom naquilo, mas porque foi eficiente, cumpriu o seu trabalho, que fez a sua audiência rir, mostrar os dentes. Foi o momento em que uma pessoa sentada no lugar de maior respeito do nosso país imitou um jornalista com deficiência”, recordou Streep sobre o episódio em que Trump gozou com Serge Kovaleski, jornalista do “New York Times”. “Isso partiu-me o coração, porque não era um filme, era a vida real. E este instinto de humilhar, quando vem de alguém da esfera pública, de alguém poderoso, infiltra-se na vida de todos nós, porque dá a permissão às outras pessoas para fazerem o mesmo. O desrespeito é um convite ao desrespeito, a violência incita a violência. Quando alguém usa a sua posição de poder para atacar os outros, todos perdemos.”
Donald Trump não tardou na resposta que veio pela via do costume, o Twitter, com a forma do costume, o insulto. “Meryl Streep, uma das atrizes mais sobrevalorizadas de Hollywood, não me conhece mas atacou-me na noite passada nos Globos de Ouro”, tweetou o homem que dentro de dez dias toma posse como presidente dos Estados Unidos na manhã seguinte, quando o vídeo de Meryl Streep era já viral nas redes sociais, acrescentando, com as devidas reticências: “Ela é uma…”
De volta aos prémios.
Porque um tweet destes quase nos fez esquecê-lo, mas os Globos de Ouro também foram prémios. Com as categorias de comédia ou musical a serem arrebatadas por “La La Land”, que tinha já sido bem recebido em Veneza, que dera já aliás o prémio de Melhor Atriz a Emma Stone, sobra o drama. E aí foi “Moonlight”, de Barry Jenkins, a levar a melhor sobre o igualmente favorito “Manchester by the Sea”, de Kenneth Lonergan. Melhor Filme para Jenkins então, mas Melhor Ator de drama para Casey Affleck pela sua interpretação do filme de Lonergan, em exibição desde a semana passada nas salas portuguesas. Melhor Atriz na mesma categoria foi Isabelle Huppert, por “Elle”, de Paul Verhoeven, produção francesa que venceu ainda na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.
Nas categorias televisivas, foram “The Crown”, Melhor Série de drama, e “Atlanta”, Melhor Série de comédia e Melhor Ator para Donald Glover, os grandes vencedores. O prémio Cecil B. DeMille foi para Meryl Streep que, quase sem voz, fez do seu discurso o verdadeiro momento de uma noite que foi afinal sobre política. E sobretudo sua.