Toma de medicamentos opioides aumentou 70% nos últimos cinco anos

Infarmed está preocupado com o aumento e quer perceber o que mudou. “Aprendemos com os erros dos outros”, disse ao i o regulador.

São medicamentos obtidos a partir do ópio e atuam no sistema nervoso, diminuindo a dor. Há muito que são um recurso dos médicos que lidam com doentes quer com cancro quer com doenças degenerativas, da fibromialgia às artroses, em quem os analgésicos comuns não funcionam. Mas ao mesmo tempo que ajudam a mitigar a dor e até produzem uma sensação de bem-estar, podem causar dependência, o que requer precaução na toma.

Nos últimos cinco anos, o consumo dos chamados medicamentos opioides fortes no país aumentou 70%, subida que surpreendeu a autoridade do medicamento. “É algo preocupante na medida em que temos de aprender com os erros dos outros”, disse ao i Henrique Luz Rodrigues, presidente do Infarmed, referindo-se à epidemia de overdoses associadas a estes medicamentos que, nos EUA, já mata 15 mil pessoas por ano.

Com base nos dados do consumo apurados ao longo de 2016, o Infarmed prepara-se agora para analisar o fenómeno e perceber o que mudou na prescrição e se são recomendáveis novas orientações, replicando o trabalho feito pelo regulador norte-americano FDA. No ano passado, o problema dos opioides tornou-se matéria de Estado nos Estados Unidos, com Obama a declarar em setembro uma semana de consciencialização para o problema e a pedir ao Congresso que invista em soluções.

Uso chega a duplicar

Os dados fornecidos ao i pelo Infarmed revelam um crescimento sustentado ao longo dos últimos anos.

Em 2011, os portugueses tomaram 1 513 435 embalagens de opioides fortes – moléculas onde se inclui a morfina, mas também substâncias como o fentanilo, medicamento que, em março do ano passado, a Agência Antidrogas dos Estados Unidos (DEA, na sigla em inglês) alertou que é 50 vezes mais forte do que a heroína e cem vezes mais do que a morfina.

Já em 2015, último ano com dados completos, o consumo disparou para
2 567 703 embalagens. No ano passado, até setembro, a tendência continuava a ser crescente, com um aumento no consumo de opioides na casa dos 13% face ao anterior. “É um crescimento acentuado e há substâncias em que o consumo mais do que duplicou”, disse ao i Henrique Luz Rodrigues, sublinhando que um dos objetivos da análise do regulador será perceber se o aumento da utilização está a acontecer junto dos doentes com cancro ou em situações não oncológicas. Isto porque o risco de dependência aumenta nos segundos casos, em que o período de toma pode ser mais alargado. “Com a toma continuada perdem eficácia, o que por vezes leva ao reforço da dose”, alerta o responsável.

O fentanilo é precisamente um dos casos em que o consumo em Portugal mais aumentou neste período, passando de 70 343 embalagens em 2011 para 158 652 em 2015. Luz Rodrigues ressalva, porém, que não existem registos de overdoses em Portugal associadas à toma desta medicação.

Uma preocupação do Infarmed, tendo em conta a realidade portuguesa, é a associação entre estes medicamentos e a toma de ansiolíticos. “Temos um consumo elevado de benzodiazepinas no país e os dados da epidemia nos Estados Unidos dizem-nos que o risco de overdose quadruplica nestes casos.”

Ponto de partida fraco

Ana Bernardo, vice-presidente da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos, acredita que a situação portuguesa estará longe de qualquer epidemia. “Tínhamos um atraso na utilização destes medicamentos no controlo da dor e havia registo de doentes que andavam 30 anos com dores antes de iniciarem tratamentos.”

A especialista acredita que os médicos que trabalham em paliativos e unidades de dor estão sensibilizados para as boas práticas de prescrição. Eventuais riscos, admite, podem advir de casos seguidos em unidades não especializadas, o que não é de desvalorizar, tendo em conta que muitas situações de doença incurável acabam nas urgências ou cuidados intensivos. “Perante quadros confusionais agudos, também chamados delirium, pode haver confusão nas queixas de dor. Nessas situações, a toma de opioides pode não ser necessária e agrava esse estado.”

As últimas orientações da Direção-Geral da Saúde sobre opioides datam de 2008. Em 2011, a DGS publicou um folheto dirigido aos profissionais. O Infarmed pretende reforçar a informação também aos doentes. Em 2015, o consumo de opioides fortes representou um encargo de 20,5 milhões de euros para o SNS, o dobro face a 2011.