Portugal e Espanha vão sentar-se hoje à mesa em Madrid para discutir a questão da construção de um armazém destinado a guardar temporariamente resíduos da central nuclear de Almaraz, localizada junto ao rio Tejo e a cerca de 100 quilómetros da fronteira. O encontro entre o ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, e a homóloga espanhola, Isabel García Tejerina, só ficou desbloqueado ontem a meio da tarde, depois de Lisboa receber todas as garantias de Madrid de que os trabalhos para a edificação do referido armazém tinham sido suspensos.
Esta era, desde o início, a condição imposta pelo governo português para que a reunião de hoje em Madrid fosse para a frente.
“O governo português sempre disse às autoridades espanholas que só participaria na reunião de amanhã [hoje] se os trabalhos fossem suspensos. Agora temos essa garantia e vamos cumprir a nossa parte”, disse ao i fonte do Ministério do Ambiente.
A meio da tarde de ontem, o gabinete de Matos Fernandes informou que estaria hoje em Madrid depois de ter recebido das autoridades do país vizinho “garantias por parte de Espanha de que o processo do Armazém Temporário Individualizado de resíduos nucleares de Almaraz não está encerrado”, deslocando-se por isso à capital espanhola “com o objetivo de se encontrar uma solução de consenso entre os dois países” nesta matéria.
As autoridades portuguesas tinham sido surpreendidas no final de 2016 pela decisão de Madrid em avançar para a construção do armazém, sem avisar Lisboa. Aliás, o governo português ameaçou (e mantém a proposta em cima da mesa) apresentar queixa contra Espanha, invocando a violação das leis europeias nesta matéria, designadamente as que obrigam à realização de estudos de impacto ambiental transfronteiriço.
O ministro português tinha assegurado nos últimos dias que só fazia sentido “haver uma reunião [com a homóloga espanhola] se houvesse coisas para discutir”.
Nos últimos dias desenvolveu-se intensa atividade diplomática entre Lisboa e Madrid para tentar desbloquear a situação.
O próprio ministro espanhol dos Assuntos Exteriores, Alfonso Dastis, que esteve em Portugal para participar nas cerimónias de homenagem ao antigo Presidente da República Mário Soares, aproveitou para debater o tema com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva.
Talvez por isso, ainda ontem, antes da situação estar desbloqueada, Matos Fernandes tinha avançado que havia “um caminho importante” feito nos últimos dias e nas últimas horas. O ministro chegou mesmo a admitir, antes de confirmar a presença na reunião, que os dois países “estavam muito perto de fechar” a realização do encontro de hoje em Madrid.
Também ontem, no Palácio das Necessidades (sede do MNE), o governo português confirmava que prosseguiam contactos entre os dois executivos “de modo a criar condições” para que a reunião de hoje avançasse.
As conversações ao mais alto nível decorriam há dias. Ainda na última sexta-feira Augusto Santos Silva reconhecia que havia “um diferendo” entre os dois Estados nesta questão de Almaraz, mas que a mesma estava a ser gerida “diplomática e politicamente”, no quadro de uma “relação muito próxima, muito amiga e vizinha com Espanha”.
Todavia, o responsável pelos Negócios Estrangeiros desvalorizou a situação, lembrando que “mesmo os amigos têm diferendos e há formas de serem resolvidos”.
Na ocasião, Santos Silva apontou o recurso às instâncias europeias, as quais “têm a responsabilidade de zelar pela aplicação e cumprimento das diretivas comunitárias”.
Ou seja, Lisboa admitia assim apresentar uma queixa contra Espanha em Bruxelas por, na opinião das autoridades portuguesas, Madrid ter incorrido no incumprimento de “uma diretiva comunitária quando autorizou o desenvolvimento de equipamentos na central nuclear de Almaraz, sem cuidar de verificar antes o impacto transfronteiriço da iniciativa”.
Nessa mesma sexta-feira, o parlamento português tinha aprovado por unanimidade um voto de condenação pela opção espanhola de construir um armazém de resíduos nucleares junto à central de Almaraz.
A central, localizada na província espanhola de Cáceres, entrou em produção em 1981. Este tipo de central tem uma vida média de 30 anos, idade que completou em 2011. Mas tem autorização para funcionar até 2020.