O presidente executivo da Partex Oil and Gas, petrolífera da Fundação Calouste Gulbenkian, considera que no panorama energético mundial, em recomposição, a Europa é a grande perdedora, e alerta para a falta de visão estratégica dos decisores políticos.
Estamos perante uma mudança do paradigma energético ou as fontes fósseis vão continuar a dominar o mercado da energia?
Estamos numa era de recomposição do paradigma existente em que os hidrocarbonetos continuarão a desempenhar um papel muito importante durante as próximas décadas, mas com uma mistura diferente das várias fontes. Em 1975, o petróleo era 50% da matriz energética mundial, hoje está em cerca de 32%. As tendências para o futuro são o reforço do gás natural e das energias renováveis e o declínio do carvão e do petróleo. Até 2040, se o declínio do carvão for de 40% e o do petróleo de 15%, e houver um aumento do gás e das energias renováveis de 40%, isso vai exatamente ao encontro dos desígnios da conferência de Paris. E isso já se está a sentir sobretudo por aquilo que acontece nos EUA, que são o laboratório do mundo. Com a revolução do shale gas e do shale oil, estão a substituir as centrais de carvão por centrais a gás. O gás é o mais limpo dos combustíveis fósseis, as emissões são cerca de 60% inferiores quando comparadas com o carvão. O gás também está a penetrar no sistema de transportes, nos táxis das grandes cidades, nos navios, nos camiões de longo curso. Em 2015, os EUA diminuíram as emissões de CO2 em cerca de 2,5% e o consumo de carvão em cerca de 13%. A China está a seguir exatamente o mesmo caminho.
Apesar de ser muito dependente do carvão, tal como a Índia…?
A Índia ainda não aderiu a este caminho, mas é uma questão de tempo. Aliás, o primeiro-ministro Modi anunciou há alguns dias querer passar dos 6% do gás para 15% na matriz energética em quatro anos, o que é muito ambicioso mas pode ser importante, porque estes países têm as cidades muito poluídas e não há dúvidas de que o gás, em combinação com as energias renováveis, pode ser uma solução. E o que é extremamente importante é que 2015 pode ser um ponto de viragem para o planeta se a presidência do Donald Trump não estragar este percurso, porque as emissões de CO2 aumentaram nos últimos 30 anos à média de 1,6% por ano e estabilizaram em 2015. Se os EUA e a China continuarem neste caminho e a Índia aderir, vamos para uma recomposição da matriz energética.
Nos EUA não será o mercado a ditar o futuro, e não a política do Donald Trump?
A economia norte-americana funciona por si, é uma máquina de criatividade, de encontro de soluções. A revolução do shale é extraordinária. Nos EUA há três grandes bacias e cada uma delas, hoje, é equivalente a um país do golfo Pérsico a produzir dentro dos EUA. E é isto que está a mudar também a geopolítica energética. Penso que as políticas de Trump não vão afetar muito este percurso. Os EUA produziam 5 milhões de barris de petróleo por dia em 2008 e já chegaram quase aos 10 milhões. Onde ele pode intervir é se criar incentivos para os EUA produzirem e consumirem ainda mais carvão, o que vai ao arrepio de tudo isto.
Mas, nos EUA, a dinâmica das energias renováveis é maior do que a das energias fósseis?
Eu acho que seria um erro voltar a apoiar o carvão. É preciso deixar o mercado funcionar. Há uma dinâmica muito forte na área das energias renováveis como, aliás, já começa a haver na China, particularmente o sol. Eu acredito que o sol pode ser uma das energias do futuro, pela simples razão de que, a cada dia que passa, nós recebemos do sol oito mil vezes mais energia do que toda aquela que o planeta consome. Os custos dos painéis solares reduziram-se 75% nos últimos seis anos. As renováveis, pouco a pouco, estão a criar uma situação de paridade na rede e com os outros combustíveis, e podem ser muito competitivas.
Como se fará o equilíbrio do mix energético nos próximos 20 anos, principalmente nas economias que ainda precisam de se desenvolver?
A Índia pode ser aqui um paradigma. No ano passado cresceu mais que a China, é um dos motores do crescimento do consumo mundial de petróleo. Mas também combina isso com as preocupações ambientais. Está numa espécie de competição estratégica com a China desde o Médio Oriente aos países da Ásia central. Pode haver uma oportunidade para as descobertas de gás de Moçambique, no oceano Índico. A Índia vai precisar desse gás.
Mas também do petróleo…
O petróleo é incontornável. Quase 95% da frota de transportes mundial dependem do petróleo. Mesmo que a penetração dos veículos elétricos seja rápida, o que não é adquirido, até 2040 vão tirar ao consumo de petróleo no planeta entre seis e dez milhões de barris por dia. Mas nós estamos a consumir à volta de 95 milhões de barris por dia. Precisamos de trazer esse patamar para cerca de 80, 82 milhões para responder aos desígnios da conferência de Paris. Mas grande parte da fatia mundial dos próximos 25 anos ainda vai vir do petróleo.
Falou nos EUA, China e Índia, e deixou a Europa de fora…
Nas mutações geopolíticas que estamos a ver, a Europa é o grande perdedor. E na Europa, temos de dizê-lo com clareza, o rei vai nu. Está paralisada, não decide, foi tomada por uma burocracia que não tem nenhuma visão estratégica. E na área da energia, isso é claríssimo. A Europa nunca conseguiu definir uma política energética unificada face à Rússia, e o presidente Putin, que é um mestre de geopolítica, faz com a Europa o que quer. Sou muito crítico do presidente Putin, é um autocrata, mas ele defende os interesses do seu país como ninguém na Europa o faz. A Europa, que tem 0,8% das reservas mundiais de petróleo e 1,5% das reservas mundiais de gás, está completamente dependente do exterior, principalmente da Rússia, do Médio Oriente e do norte de África. A UE não consegue definir uma política energética, formar o mercado energético europeu. É uma armadilha na qual está a cair e é preocupante.
E como se sai dessa armadilha?
Eu sou das pessoas que defendem que a Rússia deve ser um grande parceiro estratégico da Europa. É um erro a Europa, tal como os EUA, alienarem a Rússia. Mas a Europa deve ter outras alternativas. Mas isso exige decisão, estratégia, pensar no futuro. E na Europa anda-se de cimeira em cimeira a anunciar que é na próxima que tomam as medidas. E isso pode ser fatal para o futuro da Europa.
Essa falta de políticas europeias também está tirar visão às políticas em Portugal? Como olha para o recente cancelamento da exploração de petróleo e gás natural no Algarve?
As empresas gostam de quadros de estabilidade, políticas a longo prazo. O projeto em que nós estamos no Algarve é um projeto para que a Repsol concorreu em 2001. Passaram dez anos para se assinar o contrato. Foram feitos vários trabalhos no offshore do Algarve, de prospeção sísmica, que dão um conhecimento muito grande. Há uma continuidade geológica muito grande entre o Algarve e o golfo de Cádis. A Repsol já desenvolveu a prospeção e produção do campo de Poseidon, no golfo de Cádis, e nós estamos, hoje, face a uma situação em que temos um governo que tem no seu programa valorizar os recursos nacionais e desenvolver, mas, no fundo, as decisões que está a tomar nestes projetos é exatamente hostilidade às empresas e hostilidade aos investimentos. E, portanto, isso é letal. Não há qualquer possibilidade em termos de futuro.
É despropositado?
Nesta altura, não sabemos exatamente que recursos é que poderão existir. O que nós sabemos é que há geração de hidrocarbonetos. Foi feito um estudo de impacto ambiental. A operação passa-se a 50 ou 60 km da costa, estamos à procura de gás, e é evidente que a descoberta de algum jazigo de gás ali seria importante para o país. Permitiria criar riqueza, diminuir a nossa fatura energética, as importações, desenvolver algum know-how, alguma tecnologia, criar algum emprego, alguma relação com as universidades, e monitorizar e desenvolver sistemas de proteção dos próprios recursos marinhos. Nós temos um país que não tem economia. Entre 2001 e 2015 cresceu 0,05%. É uma vergonha nacional. E não é com crescimentos anémicos que nós vamos resolver os problemas da dívida, do investimento.
Este tipo de políticas não ajuda nada ao investimento?
Entre 2001 e 2014, o nosso investimento caiu mais de 47%. É no que os decisores políticos deveriam pensar, se não fossem atrás das redes sociais, da demagogia populista. O país está preso por pinças e, em vez de criar novas alavancas económicas, valorizar os seus recursos, diversificar a sua economia, faz exatamente o contrário. Hostiliza o investimento, hostiliza as empresas. Acho que, no fundo, estamos a dar tiros nos pés. Tem é de haver do poder político uma decisão clara. Mas se se governa para as próximas eleições autárquicas ou para as sondagens, o castelo vai ruir.
Acha que a decisão é irreversível?
Depende. Não damos atenção aos problemas estratégicos. E estamos a adiar decisões difíceis. O que eu defendo é que os países, como fazem todos os países de sucesso no mundo, olhem para os seus recursos. Portugal não tem um problema de escassez de recursos. Temos um problema de escassez de inteligência nas políticas públicas, que muitas vezes minam à cabeça a utilização desses recursos.