Para os antigos, não havia segredos nestas coisas. Para ter um menino, era fazê-lo com a lua em quarto minguante ou quarto crescente; as meninas, na lua cheia. Em dias ímpares saíam rapazes; em dias pares, raparigas. Se as teorias lunares nunca agradaram muitos aos cientistas, conseguir prever o sexo do bebé antes da conceção é um assunto sério. A última novidade foi divulgada ontem por investigadores do Hospital Mount Sinai, no Canadá.
A equipa acredita ter descoberto o primeiro fator fisiológico que influencia, de facto, o nascimento de um rapaz ou de uma rapariga.
Como seria de esperar, o segredo não está nas marés, mas parece estar nos fluxos de sangue nas artérias. A equipa descobriu que os valores da pressão arterial das mulheres antes de engravidar funcionam como uma espécie de oráculo, ainda que não tenham qualquer plano para transformar isto num produto comercial. Ainda assim, a conclusão é sólida. Mulheres com tensão alta antes de engravidar têm maior probabilidade de ter filhos rapazes. Pelo contrário, as tensões baixas estão associadas às meninas.
O trabalho foi publicado na revista científica “American Journal of Hypertension”. Ravi Retnakaran, autor do estudo, explicou ao i que é cedo para emitir recomendações a partir das conclusões, mas o que descobriram surpreende.
Tratou-se de um estudo retrospetivo em que estudaram um grupo de 3375 mulheres seguidas em Liuyang, na China, que fazem análises regularmente.
Neste grupo, focaram-se nas 1411 participantes que tiveram filhos. Foram então verificar as suas análises antes de engravidarem para perceber se algum fator fisiológico poderia ser relacionado com terem tido rapazes ou raparigas.
A tensão arterial, entre os diferentes indicadores medidos – como índice de massa gorda, colesterol, triglicéridos ou glicemia, foi o único que saltou à vista. E não foi pouco.
A tensão arterial mete-se em dois valores, um máximo (sistólica) e um mínimo (diastólica). No trabalho, a equipa usa como indicador os valores máximos. Descobriram que uma mulher com uma tensão sistólica (o valor máximo da pressão do sangue nas artérias) de 123 mm Hg tem uma probabilidade 1,5 vezes superior de ter um filho rapaz. E à medida que a tensão aumenta, a probabilidade de ter rapazes dispara. Uma mulher com uma tensão muito alta antes de engravidar, com valores acima dos 160 mm Hg (já considerados hipertensão), tem quase três vezes mais hipóteses de ser mãe de um rapaz.
Perceber a guerra dos sexos
Apesar do potencial interesse do achado em matéria de planeamento familiar, a equipa acredita que os resultados têm outras repercussões.
Um dos interesses dos cientistas que estudam a reprodução tem sido perceber o rácio de homens e mulheres na população humana, ou seja, porque é que na maioria dos países nascem ligeiramente mais meninos do que meninas. Portugal não foge à regra: os últimos números apontam para uma proporção de 107 nascimentos de rapazes por cada cem nascimentos de raparigas.
Ao perceber que uma tensão de 123 mm Hg está ligada a uma maior probabilidade de ter filhos rapazes, podem ter encontrado parte da explicação. Este valor é apenas ligeiramente acima do que é considerado normal, o que pode significar que, fisiologicamente, as mulheres estão mais programadas para gerar rapazes. “O estudo abre novas portas para a investigação dos fatores que determinam a sobrevivência fetal e o rácio de sexos no nascimento entre os humanos”, sublinha Retnakaran, que salienta que será mais por aí que ponderam usar as conclusões. Até porque o trabalho não permite dar dicas às futuras mães, por exemplo se devem carregar no sal para ter um menino ou entrar em dieta para vir uma menina. O que analisaram foi o estado normal das pessoas, em média, meio ano antes de engravidarem. “A manipulação da pressão arterial para afetar a probabilidade de ter um rapaz ou uma rapariga seria uma extrapolação inapropriada destes dados”, diz Retnakaran. O investigador também não arrisca outro tipo de conjeturas, como se sermos uma espécie cada vez mais sedentária e com hipertensão poderá levar a nascerem cada vez mais rapazes e desequilibrar ainda mais a guerra dos sexos.
Por agora têm apenas uma teoria para o fenómeno. O investigador explica que, quando uma mulher engravida, o sexo é determinado por o espermatozoide do pai transportar um cromossoma X ou Y. “Não há provas de que a probabilidade de acontecer uma coisa ou outra seja diferente em humanos”, diz Retnakaran, pelo que o diferencial entre rapazes e raparigas no nascimento não terá a ver com a pontaria do pai, mas com a sobrevivência dos fetos (os rapazes sobreviverem mais vezes do que as raparigas).
Posto isto, há duas hipóteses, adianta Retnakaran. Ou a baixa tensão antes de engravidar é indicativa da fisiologia da mãe conduzir menos à sobrevivência de um feto masculino – o que aumenta a sua probabilidade de, ao ser mãe, ter uma rapariga – ou mulheres com tensão alta têm fisiologias menos favoráveis ao de-senvolvimento saudável de uma rapariga. Para dicas práticas por parte desta equipa, fica claro que é preciso esperar. Se é daqueles que tem dificuldades em confiar só no destino, é apostar nas luas ou seguir as dicas dos manuais de gravidez que publicamos nestas páginas. Alguns alimentos e posições sexuais têm sido ligadas a uma maior probabilidade de a cegonha acertar na encomenda.
Como de mede a tensão arterial
O que é?
• A pressão que o sangue faz na parede das artérias onde circula. Existem dois valores: a pressão máxima e a mínima (sistólica e diastólica)
Quais são os valores de referência?
• Hipertensão (tensão alta): <140/90 mm Hg
• Tensão normal: 120/80 mm Hg
Fatores de risco para a tensão alta?
• Excesso de peso
• Sal em excesso
• Álcool em excesso
• Sedentarismo
• Stress
• Tabaco