Sete instituições de ensino superior públicas – seis universidades e um politécnico – vão poder reclamar junto do Governo as verbas que vão perder no próximo ano por causa do congelamento das propinas, decidido pela maioria de esquerda no Parlamento contra a vontade do ministro Manuel Heitor.
O Contrato de Confiança assinado entre o Governo e as 28 instituições do ensino superior público no ano passado prevê que qualquer quebra no financiamento por via de alterações legislativas possa ser ressarcida por parte do Estado. Quando foi decidido o congelamento das propinas, os reitores admitiram recorrer a este expediente.
Segundo o SOL apurou, porém, nem todas as instituições vão poder pedir o ressarcimento por parte do Estado.
De acordo com a lei aprovada no Parlamento, só as universidades e politécnicos que cobram este ano letivo a propina máxima podem ser ressarcidas por estarem impedidas de atualizar o valor desta taxa. É que a lei congela apenas os patamares dos valores máximo e mínimo das propinas, que serão aplicados em Setembro de 2017. «No ano letivo 2017/2018, como medida excecional, é suspensa a aplicação do regime de atualização das propinas no ciclo de estudos conducente ao grau de licenciado no ensino superior público, mantendo-se em vigor os valores mínimo e máximo da propina fixados para o ano letivo de 2016/2017», lê-se na lei do Orçamento do Estado de 2017.
Ou seja, a norma não impede que as universidades e politécnicos, que ainda não cobram a propina máxima, possam aumentar, no próximo ano letivo, o valor da taxa que querem cobram.
Desta forma, de acordo com um levantamento realizado pelo SOL, apenas as Universidades de Aveiro, Coimbra, Lisboa, Madeira, Nova e o ISCTE podem reclamar ao Governo a compensação pelo impedimento da atualização das propinas. São estas as únicas instituições que este ano letivo já cobram a propina máxima.
Entre os politécnicos, apenas o Politécnico de Lisboa está nesta situação.
Contactado pelo SOL, o Conselho Coordenador dos Politécnicos diz que está a «fazer o levantamento» junto das instituições para apurar o valor que será reclamado ao ministro da Ciência e Ensino Superior, Manuel Heitor. Também as universidades estão a fazer o mesmo levantamento, mas o SOL apurou que só na Universidade de Lisboa estão em causa 175 mil euros.
Propina máxima aumentaria seis euros
Caso o valor das propinas não tivesse sido congelado, o valor da propina máxima cobrada para as licenciaturas e mestrados integrados iria aumentar 6,06 euros. Ou seja, passaria dos 1.063,48 euros para os 1.069,54 euros anuais, de acordo com a taxa média de inflação anual do INE (0,57%).
Já a propina mínima iria sofrer um aumento de 67,6 euros anuais, subindo dos 656,5 euros para os 724,1 euros anuais. Seria o maior aumento desde 2003, quando entrou em vigor a atual lei que estipula as regras dos valores da taxa cobrada aos estudantes. A Lei de Financiamento do Ensino Superior dita que o valor da propina máxima, nas licenciaturas e mestrados integrados, é atualizado todos os anos de acordo a taxa média de inflação do ano civil anterior. Já a propina mínima corresponde a 1,3 salários mínimos nacionais, que este ano subiu para os 557 euros.
Definidos os valores mínimos e máximos são as instituições de ensino superior a decidir o valor a cobrar. Decisão que terá de ser tomada em reunião de Conselho Geral – órgão máximo – que normalmente decorrem em maio ou junho. Com o congelamento, em setembro manter-se-á o valor da propina máxima: 1.063,48 euros anuais. Também o valor da propina mínima se vai manter nos 656,5 euros por ano.
A lei estipula apenas as regras das propinas cobradas aos estudantes portugueses, aos alunos dos países lusófonos – à exceção dos brasileiros – e aos dos países comunitários. Aos restantes estudantes, as universidades e politécnicos podem cobrar, através do Estatuto do Estudante Internacional, uma propina mais elevada – correspondendo ao custo real do curso. Em alguns casos, as propinas ascendem aos sete mil euros anuais.
Parlamento contra ministro
As propinas vão ser congeladas pelo segundo ano consecutivo, através de propostas dos partidos da esquerda – PS, PCP e BE – aprovadas no Parlamento. Iniciativa que vai contra a posição do ministro da Ciência e do Ensino Superior Manuel Heitor. Porém, o eventual ressarcimento às universidades, que poderá representar milhões de euros, não se colocou. Não estava em vigor o Contrato de Confiança.
Os partidos que detêm a maioria parlamentar têm vindo a insistir no congelamento das propinas e acabaram por concertar uma proposta que foi aprovada na Lei do Orçamento do Estado para 2017. Antes da aprovação da lei, foram vários os avisos e recados deixados pelo ministro Manuel Heitor, para quem o congelamento das propinas é uma questão «em que o Governo não se deve introduzir». Até porque, sublinhou o ministro em março, «a questão das propinas está perfeitamente regulada em Portugal. Está estabilizada e, por isso, não há nenhuma pergunta nem nenhuma dúvida sobre esse assunto».
Também na altura, os reitores consideraram a iniciativa dos partidos «um ataque à autonomia» das instituições de ensino superior avisando, desde logo, que iriam reclamar as verbas em falta. As propinas são uma das principais fontes de receitas para as instituições de ensino superior, chegando, em alguns casos, a ter um peso médio de 30% das verbas de funcionamento.
Foi em 1991, durante o Governo de Cavaco Silva, que se falou em alterar as regras e o valor das propinas, que se mantinha há 50 anos nos seis euros anuais. A introdução do pagamento de propinas levantou, na altura, forte contestação dos estudantes e fez cair vários ministros da Educação.