Joaquim Paulo de Lalanda e Castro, nascido a 18 de agosto de 1957, 59 anos. Ficou conhecido pela rede de amigos poderosos que o rodeavam, pelos gostos caros e excêntricos e pela imagem cuidada. Tanto que José Sócrates, no tempo em que trabalhou como consultor da Octapharma, gostava de lhe chamar «o meu patrão».
Numa conversa telefónica com António Guterres durante a investigação da operação Marquês, o ex-primeiro ministro definiu de forma exemplar a relação que Lalanda e Castro mantinha com os lobistas que utilizava para expandir o negócio da multinacional suíça. «Agora trabalho para a Octapharma, tenho um emprego porreiro, os gajos tratam-me como a um ex-primeiro ministro, o que já não é habitual neste país. Faço com eles umas viagens a São Paulo e à Colômbia, falo com uns políticos de lá…Só me pagam as viagens em primeira classe, exigem que fique em bons hotéis e preocupam-se com os restaurantes onde vou». O atual secretário-geral das Nações Unidas decifrou de imediato o discurso: «arranjaste um tacho».
Lalanda e Castro demitiu-se da farmacêutica multinacional em dezembro, antes ter sido detido na Suíça ao abrigo de um mandado de detenção europeu. Em causa estava as suspeitas no inquérito ‘O Negativo’, vindas público, e que punham em causa o monopólio da empresa no fornecimento dos hospitais portugueses. Ontem, depois de dois dias de inquirição, Lalanda e Castro ficou em prisão domiciliária. Quem é o homem envolvido em três da operações judiciais mais mediáticas no panorama judicial dos últimos anos?
Natural da freguesia de Santo Ildefonso, no Porto, cresceu no seio de uma típica família burguesa. O mundo das farmácias sempre lhe foi próximo. Filho de uma farmacêutica hospitalar, Helena Nogueira Castro – a primeira pessoa a dirigir a farmácia hospitalar do S. João. O pai, Joaquim Antunes e Castro, era militar.
De delegado a funcionário da Octapharma
Lalanda não seguiu, imediatamente, nenhuma dessas pisadas e chegou a cursar medicina. O Expresso conta que, no final dos anos 70, Cunha Ribeiro – antigo presidente do INEM e arguido na operação ‘O-Negativo’ – chegou a ser monitor de Lalanda na faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Com três anos apenas a separá-los e ambos do Norte do país (Cunha Ribeiro é de Lamego), a amizade ou, pelo menos, o conhecimento entre os dois principais arguidos da operação que investiga o negócio do plasma é antigo.
Sem terminar medicina, o ex-líder da Octapharma acabou por seguir gestão. Só depois entra no mundo das farmácias como delegado de informação médica. Em 1986, começa a trabalhar na empresa que fazia a distribuição local da Octapharma AG. Cinco anos depois, dá o salto. Cria uma subsidiária em Portugal (a Octapharma Produtos Farmacêuticos Lda).
«Foi um sucesso muito rápido», disse uma antiga funcionária da empresa ao SOL quando o ex-administrador foi constituído arguido na operação Marquês, em 2015.
Durante os anos 90, sob a gestão de Lalanda, a empresa deteve praticamente o mercado total do plasma e derivados de sangue no país. «Ele é muito inteligente e um estratega», disse a mesma fonte.
A partir daí, a sua influência dentro da multinacional só parou quando se tornou num dos principais administradores. Na Suíça, tinha a tutela do marketing na empresa mãe do grupo, embora continuasse a coordenar as operações dos laboratórios em Portugal.
Viveu no país helvético até 23 de dezembro de 2016. Nessa tarde, Lalanda e Castro aterrou em Lisboa num avião privado da Octapharma. Comunicou ao Ministério Público (MP) a nova morada e foi presente, esta quarta-feira, ao primeiro interrogatório judicial no âmbito da operação O-Negativo.
Agora, aguarda pelo despacho de acusação em prisão domiciliária, provavelmente na Quinta Patino, uma das duas casas que tem na zona de Lisboa (a outra fica na rua da Graça). As visitas ao Campus da Justiça não são, no entanto, uma novidade para o antigo administrador e começaram a ser mais frequentes noutro mediático processo: a Operação Marquês.
Da Operação Marquês aos Vistos Gold
Muitos estranharam a associação de nomes de Lalanda e Castro e José Sócrates. Mas o antigo administrador nunca escondeu que gostava de se dar com políticos. «É um homem do bloco central de interesses», disse ao SOL fonte conhecedora desta investigação quando o ex-administrador foi constituído arguido no processo.
Tudo terá começado a 1 de janeiro de 2013, data em que Lalanda e Castro contratou José Sócrates para a Octapharma AG.
O antigo primeiro-ministro desempenharia funções de consultor da empresa no Brasil, com um salário de 12 mil euros por mês.
O procurador Rosário Teixeira acredita que Lalanda e Castro terá aceitado um esquema que permitiria a José Sócrates simular uma remuneração extra, para branquear dinheiro que tinha origem nas contas de Carlos Santos Silva – o testa de ferro da sua fortuna – a troco das portas que o ex-governante lhe abrira, nomeadamente, no Brasil e na Venezuela.
José Sócrates foi detido a 21 de novembro de 2014. No dia seguinte, Lalanda e Castro contrata o advogado Ricardo Sá Fernandes e, três dias depois, com ordens superiores, despede José Sócrates.
O ex-líder da Octopharma acabaria por ser constituído arguido no processo em fevereiro de 2015, indiciado por fraude fiscal e branqueamento de capitais.
Para além disso, surge também no universo Labirinto, que investiga o caso dos Vistos Gold. Lalanda era gerente da Intelligent Life Solutions – Produtos e Soluções na área da Saúde SA. Durante a investigação, descobriu-se empresa tinha prestado alegados tratamentos médicos a cidadãos líbios com estatuto de refugiados de guerra. A emissão destes vistos permitiu identificar o esquema: a empresa, por via desses serviços, terá reclamado a isenção do pagamento de IVA. No total, terão lesado o Estado em mais de um milhão de euros.
Os processos em que Lalanda e Castro está envolvido já saltaram o Atlântico. No Brasil, foi investigado no caso Máfia dos Vampiros, que investigou a sobrefaturação de hemoderivados no serviço nacional de saúde daquele país.