1.Em tempos tão atribulados politicamente como o que vivemos em Portugal, sugiro-lhe, caro leitor, que hoje deixemos o caos em que António Costa converteu o nosso sistema político – e falemos de sétima arte. Falemos de cinema. Porque, afinal de contas, há vida para além da geringonça, ao contrário do que os nossos media do politicamente correcto querem fazer crer.
2.Mais concretamente, falemos do filme “Miss Sloane – Uma Mulher de Armas”, estreado nas salas nacionais na passada quinta-feira. Primeira advertência: falemos de cinema, mas não deixemos a política.
Deixemos a nossa política doméstica que tem deixado os portugueses legitimamente inquietos com um PS que se deixou aprisionar pelo sonho de criança de um homem só (António Costa) que meteu na cabeça que iria ser Primeiro-Ministro de qualquer jeito. Falemos do retrato que o filme do realizador britânico John Madden (em co-produção americana e europeia) faz da política norte –americana.
3.A primeira nota digna de registo que “Miss Sloane” é o primeiro de uma série de filmes que estrearão nas salas de cinema com uma forte conotação política – dando, aliás, eco ao sentimento de cepticismo dos cidadãos face às instituições políticas. Recordamos o leitor que, antes de sabermos o resultado das eleições que deram a vitória a Donald Trump, escrevemos que Hollywood (embora apoiante de Hillary e dos democratas na sua maioria) criou o cadinho de cultura propício à linguagem e aos métodos eleitorais do candidato anti-sistema.
Ora, “Miss Sloane” é mais um filme onde se pretende denunciar a corrupção que domina Washington, podendo muito facilmente ser usado como instrumento de campanha a favor do novo Presidente dos EUA, Donald J. Trump.
4.Basicamente, a narrativa do filme resume-se à explicitação do poder dos lobbys no Congresso dos EUA e os seus métodos pouco convencionais para comprar os votos dos elementos do Congresso a favor de medidas legislativas favoráveis aos interesses dos respectivos clientes. O filme inicia-se com uma cena (muito bem conseguida!) em que Sloane (personagem protagonizada pela actriz californiana, Jessica Chastain), na casa de banho da firma, monta uma estratégia para reduzir o imposto aplicável à Nutella.
Como? Definindo uma operação internacional que favoreça a exportação de óleo de palma pela Indonésia, ao mesmo tempo que se convence a Adminsitração norte-americana de que o principal ingrediente da Nutella não é o óleo de alma, mas sim outro isento de imposto.
5.Aparentemente, pelo que já ficou exposto, Sloane é uma mulher fria, calculista, motivada apenas pela conquista dos seus objectivos pessoais: despreza, pois, qualquer preocupação ligada ao interesse público. Assim era: até que um dia teve um epifania, julgando-se capaz de sozinha mudar Washington e suas práticas.
Movida por outros interesses pessoais? Não: Miss Sloane de anti-heroína converte-se em heroína. De “Miss anti interesse público” converte-se numa espécie de “Batwoman” política. Qual a causa que a move? A restrição do direito ao porte de armas previsto na Constituição dos EUA.
6.Daqui “Miss Sloane” parte para uma guerra sem tréguas com outra empresa de lobby, a qual controla o voto da maioria dos senadores. Ou seja: o filme pretende reduzir a política americana a uma luta de empresas de lobby, sendo os membros do Congresso apenas marionetas ao sabor e à mercê dos interesses das grandes corporações.
Claro que a causa só podia ser o controlo do porte de armas: caso contrário, o filme pareceria muito republicano e pouco liberal face aos parâmetros de Hollywood.
Após os primeiros quarenta e cinco minutos, o filme do realizador britânico começa a descarrilar: uma narrativa repetitiva e feita de clichés; erros lógicos graves, como por exemplo o valor do Super PAC montado por Sloane para apoiar a sua causa e chantagear os senadores; o absurdo de ninguém perceber qual a intenção, qual a grande causa que move Sloane – por um lado, não se defende a supressão do direito ao porte de armas, pois é um direito constitucional; por outro lado, a medida legislativa que Sloane quer fazer passar no Congresso, na prática, já existe nos EUA!
7.Realisticamente, alguém acredita que um grupo de defesa de interesses e valores alturistas iria arriscar a vida apenas para…limitar pouco (ou, na terminologia portuguesa à la António Costa, um "poucochinho”) um problema que é apresentado como produzindo consequências sociais nefastas? Não nos parece. Às tantas o filme quer parecer tão realista que, por falta de diligência ou ignorância, transforma-se em pura fantasia. Um conto de fadas sem magia.
8.Qual é, então, a principal mensagem do filme? É que os fins justificam os meios quando os fins são moralmente superiores (combater a corrupção em Washington) e os meios são idóneos a atingir esse fim (quando a corrupção é tanta e tão forte qualquer actuação agressiva de denúncia e ruptura do sistema é justificável). Ora, Donald Trump poderia subscrever facilmente esta visão da política (e da luta política).
9.Por último, resta uma questão: vale a pena pagar o bilhete de cinema para assistir a “Miss Sloane”? Vale. Porquê?
Porque, não obstante todas as falhas e defeitos do filme, o extraordinário desempenho de Jessica Chastain é merecedor de cada euro que se gaste. A actriz californiana é a força e a alma deste filme, emprestando-lhe uma plasticidade que lhe dá realismo; uma densidade psicológica que destoa da narrativa simplória e banal do filme; uma empatia que faz de Sloane uma santa quando é diabólica – e de um (encantador e gracioso) diabo quando é santa.
São estes paradoxos que Jessica Chastain explora com arte e engenho que tornam a sua personagem – a “Miss Sloane” – tão real.
10.Com esta interpretação notável, Jessica Chastain confirma o seu estatuto de uma das estrelas mais cintilantes da nova era de Hollywood. Já não é uma revelação – é uma certeza.
Por conseguinte, cara leitora e caro leitor, dará por bem empregue o dinheiro do seu bilhete de cinema para ver este filme – tão crítico de Washington e do seu sistema, em vésperas de tomada de posse do Presidente Donald J. Trump.