A primeira edição do Rali de Monte Carlo teve lugar em 1911, e contou com 16 participantes. Na configuração inicial não era uma prova de velocidade, mas sim de regularidade, que exigia grande resistência de pilotos e máquinas para atravessar a Europa, em pleno Inverno.
Os pilotos saíam de várias cidades europeias – nos anos 60 Lisboa foi local de partida – com destino ao Mónaco, cumprindo uma média de 25 km/h. Mas havia outros critérios para encontrar o vencedor: a quilometragem percorrida, o número de pessoas transportadas e o estado de conservação do carro à chegada. A vitória foi atribuída a Henry Rougier, ao volante do Turcat-Mery, que recebeu 10.000 francos em ouro, e uma peça de arte em bronze.
O figurino da prova manteve-se até à década de 60, altura em que o Monte Carlo passou a ser uma prova de velocidade pura, disputada em estradas estreitas e sinuosas, ladeadas por respeitáveis precipícios, onde nunca se sabia o que o céu reservava aos pilotos. Tudo isto despertou o interesse dos grandes construtores, e contribuiu para a notoriedade do rali, que tem no alucinante “Col du Turini,” com 34 ganhos em 33 quilómetros, o espelho real do que é a prova.
Rui Madeira disputou o Rali de Monte Carlo, em 1995, com o Mitsubishi Lancer Evo II, e terminou na 12ª posição. «Foi um grande desafio. As classificativas são incríveis, mas muito longas. Dava um bom rali de asfalto se estivesse sempre seco, mas com condições climatéricas instáveis, temos que improvisar muito. Depois, tem um carisma especial, ambiente único e noites intermináveis.»
O piloto recordou o foi fazer o rali num ano em que nevou com intensidade. «Disputar o Monte Carlo é o sonho de qualquer piloto, mas quando lá chegamos as dificuldades são enormes. Havia muitas zonas onde era difícil manter o carro na estrada, mesmo andando devagar. Temos que manter a concentração máxima, ouvir com atenção as indicações do navegador (Nuno Rodrigues da Silva), e escutar os conselhos da equipa e dos batedores. Foi o rali mais difícil que disputei na minha carreira.» Recorde-se que Rui Madeira foi, nesse ano, campeão do Mundo de Produção.
O piloto explicou quais os desafios maiores da prova monegasca. «A principal dificuldade é a imprevisibilidade do tempo. As condições da estrada mudavam por completo no espaço de poucos quilómetros. Na mesma classificativa, apanhámos piso seco, e depois encontrámos placas de gelo e neve, isso repetiu-se inúmeras vezes ao longo do rali. Outra dificuldade foi acertar na escolha de pneus para ter o melhor compromisso face às condições de aderência da estrada. Tive situações complicadas, mesmo muito devagar, e a um regime de motor baixo, o carro continuava a patinar.»
Às dificuldades naturais do percurso juntava-se o asfalto “minado” pelos espectadores. «As pessoas levavam pás para colocar neve nas curvas que estavam secas. Nalguns casos tínhamos essa informação dos batedores, noutras era um susto, porque a estrada estava completamente diferente.»
Turini by night
Fazer classificativas longas a um ritmo infernal «era de loucos. O rali era bastante cansativo, pois são muitos dias em competição. Psicologicamente, também era muito duro. Andar dentro de um carro de rali quase uma hora para fazer 40 quilómetros em tortuosas estradas de montanha, que tanto estavam secas, como cobertas de neve e gelo, era violento. Por outro lado, as constantes mudanças de ritmo na mesma classificativa criava algum frenesim.»
Para aguentar a prova não bastava ser bom piloto, era preciso ter resistência. «A última noite era passada a conduzir, sempre a ritmo elevado. A etapa começava às nove e meia da noite, e só terminava às seis da manhã. Foi muito massacrante. Embora tivesse um preparador físico que me ajudou no reagrupamento, fui-me um pouco abaixo fisicamente. Há meia-noite estava a comer massas para ter energia para concluir a etapa.»
Essa fase foi ultrapassada com «uma motivação muito grande para terminar o rali. Estávamos bem classificados, e queríamos manter, a todo o custo, a nossa posição.»
O esforço foi compensado com uma “performance” notável no mítico “Col du Turini”, onde obteve o oitavo tempo da geral, perante largos milhares de pessoas. Difícil e perigoso, acabou com as esperanças de muitos, e bons, pilotos a poucos quilómetros da chegada. «O troço marcou-me muito. Na neve e no gelo, a margem de erro é pequena, mas no Turini é nula. A subida é fantástica, a descida alucinante.» Palavra de campeão.